Em 2013 as ruas do Brasil foram tomadas por protestos que tinham entre suas reivindicações a melhoria de serviços públicos como transporte, saúde e educação. No dia 24 daquele mês de junho a presidenta Dilma Rousseff anunciou cinco pactos para melhorar esses serviços. Entre as medidas estava destinar para a educação os royalties do petróleo e parte dos recursos do pré-sal. Mas o que ajudaria a impulsionar a qualidade e a cobertura da educação pública no Brasil já está sob ameaça. No Congresso tramita um projeto de lei que visa retirar da Petrobras o controle sobre a exploração do petróleo nacional.
De autoria do senador José Serra (PSDB) - licenciado para assumir interinamente o Ministério das Relações Exteriores -, o projeto de lei 4567/2016 retira da Petrobras a exclusividade na exploração das áreas de pré-sal, além de desobrigar a estatal de ter participação mínima de 30% nas demais áreas de exploração e produção. A proposta, já aprovada no Senado e em vias de aprovação na Câmara, não agradou entidades da sociedade civil que lutam pela educação pública. O diretor da Associação dos Professores do Ceará (APEOC), Hélder Nogueira, avalia que, ao retirar da estatal o controle da camada pré-sal, o projeto do senador tucano tem impacto direto nos recursos que iriam para os serviços públicos. “Isso vai reduzir drasticamente as possibilidades de trazer os royalties para a educação e para a saúde”, afirma.
O educador recorda que os movimentos populares, sindicais e estudantis lutam desde a década de 1980 para que o poder público amplie o financiamento da educação pública. “Se o Brasil não chegar ao patamar de 10% do seu Produto Interno Bruto (PIB) sendo investido na educação, não conseguiremos dar o salto de qualidade que a sociedade brasileira almeja”, opina. “Compreendemos a educação como um direito que deve ter qualidade e participação popular. E para garantir a qualidade da educação precisa ampliar o financiamento”, diz Nogueira.
O diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), João Antônio de Moraes, avalia que o pacto anunciado pela presidenta Rousseff, em 2013, foi uma vitória, resultado da luta dos movimentos populares do País. “Essa pauta sempre esbarrou na dificuldade de não ter de onde tirar as verbas para colocar na educação. Mas com a descoberta das reservas no pré-sal conseguimos a aprovação dos royalties para a educação e saúde. Foi uma grande vitória. Aprovamos a lei e definimos de onde o Estado brasileiro vai tirar a verba”.
Segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) o financiamento deve ter em vista três eixos básicos, tendo em vista o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE, Lei 13.005/2014). O primeiro ponto é a valorização dos trabalhadores da educação, com o cumprimento do piso salarial, a criação de um plano de cargos e carreiras atrativo, realização de concursos públicos e formação continuada para as educadoras e educadores. O segundo ponto é garantir o acesso dos alunos à educação de qualidade e a permanência destes. Isso envolve a alimentação escolar, o transporte e o acompanhamento familiar, entre outros. O terceiro ponto é a estrutura física das escolas, que precisam oferecer recursos pedagógicos como computadores, internet banda larga e quadras poliesportivas.
Os movimentos populares chamam atenção para o fato de que o petróleo é um recurso finito e que, por isso, ele deve ser aproveitado para estruturar a Nação. “O petróleo é assim: consumiu, acabou. Algumas nações que tiveram grandes reservas de petróleo encontram-se hoje em dificuldades porque gastaram as reservas e não estruturaram o País”, afirma Moraes. “E não há destinação mais adequada para os recursos do pré-sal brasileiro que a estruturação de um sistema de ensino público de qualidade para o Brasil”, opina o sindicalista.
Segundo Moraes, o projeto de lei de autoria de Serra deixa por um fio o futuro vislumbrado com o recurso dos royalties. Para ele, as nações que conseguiram dar boa destinação aos recursos obtidos da energia só o fizeram porque tinham o Estado no controle da exploração desses recursos. “As medidas privatizantes tendem a barrar os avanços que começamos a construir. O que queremos é um bom sistema de ensino no País, impulsionado pelas verbas de energia, do setor de petróleo e gás. Mas isso só é possível através do Estado, porque quem consegue planejar e olhar para o futuro é a sociedade, através do Estado”, analisa Moraes. “Quando se tira o controle do pré-sal das mãos da Petrobras, uma empresa estatal, e transfere o pré-sal para empresas privadas, a tendência é dispersar os recursos e não conseguirmos dar a destinação adequada”, completa.
Nos anos 1990 a Argentina viveu um processo de redução do controle estatal sobre as reservas de petróleo. As medidas foram seguidas da privatização da petroleira estatal YPF, que foi comprada pela espanhola Repsol. O país possuía uma boa reserva de petróleo cuja exploração poderia render por muitos anos. Na medida em que explorava, a estatal cumpria importante papel na descoberta de novas jazidas de petróleo e investia no desenvolvimento de novas tecnologias para a exploração. Mas com a privatização a Repsol aumentou a produção, mas sem investir em novas tecnologias ou na busca de novas jazidas. “As empresas privadas exploram predatoriamente, sem compromisso com a manutenção e sustentabilidade da produção. Hoje a Argentina precisa importar petróleo”, afirma o diretor da FUP. “Ao retirar a Petrobras da operação, o projeto do Serra privatiza o pré-sal. Isso é muito ruim porque quem planeja e decide a produção é a operadora. Ela que pode evitar a produção predatória. A Petrobras jamais faria no Brasil o que a Repsol fez na Argentina”.
Na avaliação do petroleiro, a possível aprovação do projeto de lei 4567/2016 levará o País a viver situação similar a outras que já vivemos na história brasileira, com a exploração do pau-brasil e do ouro no período colonial, e com a exploração de ferro que perdura até hoje. “Uma grande produção de recursos naturais que acaba sendo drenada sem estruturar o desenvolvimento nacional. Não podemos permitir que a história se repita”, opina.
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