No próximo dia 30 de outubro os mais de 1 milhão de eleitores do Recife decidirão sobre o projeto de cidade e as prioridades para os próximos anos na capital pernambucana. Uma vantagem para o eleitor recifense é o fato de conhecer bem as duas candidaturas. De um lado João Paulo, do Partido dos Trabalhadores (PT), foi prefeito do Recife por oito anos (2001-2008). Do outro Geraldo Julio, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), é o atual prefeito do Recife e tenta reeleição.
Quarta capital com maior densidade populacional do País, com mais de 7 mil habitantes por quilômetro quadrado, o Recife tem uma demanda constante por habitação. Desde as periferias, com moradias em áreas de risco, aos centros urbanos, com parte da população vivendo precariamente em palafitas e lutando pela regulação fundiária, a questão da moradia digna é uma lacuna na qualidade de vida da população trabalhadora da cidade.
Morador do Vasco da Gama, bairro da Zona Norte do Recife, o encarregado de obras Clécio Roberto, afirma que a qualidade de vida da sua família mudou a partir da realização da obra na barreira de sua casa. “No inverno era um ‘aperreio’. Não nos sentíamos seguros, principalmente à noite, porque não sabíamos o que poderia acontecer. Víamos na TV, como voltamos a ver hoje, as quedas de barreiras”, recorda. “Mas conseguimos a obra da barreira através do Orçamento Participativo. Fizemos reuniões no colégio municipal, na Igreja e conseguimos que a comunidade se unisse para votar na obra da nossa barreira”, comemora Clécio.
Antes, sua mãe pagava aluguel. Mas após a obra a família pode ampliar a casa e todos foram morar juntos. “Hoje podemos dormir tranquilos. Não importa a quantidade de chuva, nos sentimos seguros. A obra foi muito bem-feita e agradeço a Deus por isso”, afirma. Clécio viva num dos 7 mil pontos de risco que foram extintos durante a gestão João Paulo. Mas em 2009 ainda restaram cerca de 5.500 pontos de risco a ser atendidos.
O prefeito Geraldo Julio criou o Centro Integrado de Comando e Controle, para o qual a população pode ligar pedindo intervenção de bombeiros e da Defesa Civil. Nos últimos anos a Prefeitura também aplicou “geomantas” impermeáveis em alguns pontos de risco, mas ainda assim não foi o suficiente para evitar novos deslizamentos de barreiras e mortes nos últimos anos. Só em 2016 foram 5 mortes. Para a população que vive nas cerca de 3 mil áreas de risco, o prefeito prometeu construir moradias – mas atendeu apenas 869 famílias. Dessas, cerca de 160 moravam em palafitas. Uma das promessas da campanha do atual gestor foi direcionada às palafitas da Comunidade do Bode, na Zona Sul da cidade. Mas nenhuma das famílias foi beneficiada. O habitacional prometido, a ser erguido no terreno do Aeroclube, sequer foi iniciado.
A profissional de educação física Celeste Valença reside no bairro de Brasília Teimosa há 40 anos e boa parte da vida conviveu com as palafitas. “Moro aqui desde a época das casas de tábua, quando não tinha água encanada e as casas afundavam na areia”, recorda. Ela diz que muitas gestões prometiam melhorar a situação de quem vivia nas palafitas, mas nada se concretizava. “Lembro de um projeto para urbanizar a orla, muito bonito no papel, mas que expulsava daqui boa parte da comunidade. E nós dissemos que não, que queríamos um bairro para morar. Não queríamos desalojar ninguém, mas que todo mundo tivesse uma moradia digna”, afirma Celeste, que pontua como algo fundamental para as conquistas o fato de a comunidade ser politicamente organizada. “Desde muito cedo debatemos a questão da posse da terra e o direito à moradia digna. Essa área aqui é privilegiada e muita gente com dinheiro volta os olhos para cá”, completa.
Ela lembra que o diálogo entre a prefeitura e o bairro começou a melhorar a partir dos anos 2000, com a chegada de João Paulo ao executivo municipal. “Mas as coisas melhoraram mesmo com a vitória de Lula, em 2002. Conseguimos aprovar o projeto. Tentamos construir dois blocos de apartamentos aqui perto, para os pescadores que moravam em palafitas irem para lá. Mas Jarbas (Vasconcelos, então governador) parou a construção dos blocos e atrapalhou”, reclama. “Mas naquele ano a maré castigou muito as palafitas e a situação era urgente. Então as pessoas saíram e foram receber o auxílio-moradia enquanto se construía o habitacional do Cordeiro. Ao mesmo tempo construíram a orla, por que se não construísse, novas palafitas surgiriam”.
A obra inclui a contenção do mar com a construção de um paredão, transformando a orla num espaço de lazer, comércio e emprego para a comunidade. “Hoje temos uma área muito bonita e melhorou a nossa qualidade de vida. João Paulo fez um bem danado, mas na atual gestão não tivemos benefício nenhum, só problemas de calçamento e saneamento”, compara a educadora, que se queixa de encanações estouradas na via principal do bairro.
A atual gestão prometeu recuperar 100 quilômetros de calçadas durante os quatro anos de gestão. Chega ao fim de 2016 tendo recuperado apenas 52 quilômetros, metade do prometido. Nenhuma das calçadas revitalizadas fica na periferia da cidade. Outra promessa que ajudaria a melhorar o diálogo com a população – apresentada como um substitutivo do extinto Orçamento Participativo – foi o programa “Prefeito no Seu Bairro”, que criaria escritórios da prefeitura nas comunidades, com o objetivo de monitorar as ações locais e onde a população do bairro poderia se reunir com o prefeito com regularidade. Nenhum desses escritórios foi construído no Recife e o programa de diálogo com a prefeitura nunca saiu das propagandas.
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