No último dia 27 de janeiro o Fórum do Recife Rodolfo Aureliano, no bairro de Joana Bezerra, recebeu a segunda audiência de instrução do caso do adolescente Mário, de 14 anos, assassinado com três tiros por um policial militar no Ibura, bairro em que morava Mário. O próximo passo é o agendamento do júri popular, que está previsto para acontecer no próximo mês de março.
Foi na noite de 25 de julho. Mário e um amigo, de 13 anos, seguiam de bicicleta pelo Ibura, zona sul do Recife, após jogarem futebol no campo de várzea das proximidades. Na avenida Dois Rios, a bicicleta esbarrou na moto do sargento reformado Luiz Fernando Borges, 50, machucando o pé do policial. O militar puxou a arma e atacou com uma coronhada em Mário, que caiu. O amigo correu. Ainda foi atingido pelos disparos, mas escapou. Mário não. Luiz Fernando Borges alega que reagiu a uma tentativa de assalto. Ele só se apresentou à delegacia após nove dias foragido.
Desde o ocorrido, Joelma Andrade, 34, mãe de Mário, busca justiça. Jovens do Ibura e de outros bairros do Recife já realizaram atos em conjunto com a família pedindo agilidade nas investigações e chamando a atenção para os números de jovens negros vítimas de homicídio em Pernambuco. Menos de 10 dias após a morte de Mário, o adolescente Mateus, também negro e com os mesmos 14 anos, foi assassinado, atingido por uma “bala perdida” disparada por um policial que trocava tiros com um assaltante no bairro do Vasco da Gama, zona norte do Recife.
Pernambuco é o 7º estado em que mais se mata jovens negros no Brasil. No estado, a chance de um jovem negro ser assassinado é 11,5 vezes maior que a de um jovem branco. Em todo o País, o índice de homicídios de jovens negros saltou de 17.499 (em 2002) para 23.160 (em 2012), informa o Mapa da Violência.
Agora a mãe dedica suas energias à luta para que a justiça puna o homem que tirou a vida do seu filho. “Sei que vai ser muito pesado para mim. Na condição de mãe, ficar diante do homem que me tirou meu filho e ainda escutar ele acusando Mário de ser assaltante, não vai ser fácil. Mas vou aguentar e vou ver ele ser condenado”, afirma. “Eu vou ver que uma mãe pobre, da periferia, pode ter justiça. Mesmo contra um PM. Vou mostrar que a periferia pode ter voz”.
Ela ainda chora a memória do filho que levava as irmãs na escola enquanto a mãe trabalhava. E que, após a aula, ajudava no sustento da família entregando gás e trabalhando numa lanchonete do bairro. As duas irmãs de Mário com frequência reclamam as saudades. Joelma afirma não ter mais condições de viver no Ibura. “Eu não consigo mais. A casa em que moro, comprei quando ele tinha 1 ano. Toda a vida dele foi aqui. Eu sei que sair não vai diminuir a dor que sinto, mas não consigo mais morar aqui”, lamenta.
Joelma Andrade reclama que na favela a polícia não trata os moradores como gente, mas como criminosos. “Não somos filhinhos de papai, mas somos gente. Hoje somos abordados como bichos e marginais” diz, acreditando que o julgamento do caso pode ter um peso simbólico para a polícia e para a população das periferias. “Ele vai ser condenado e servirá de exemplo. Sei que a condenação não vai trazer meu filho de volta, mas das mãos dele nenhuma mãe mais vai chorar a dor que choro hoje”, afirma.
Para Joelma, as mães em situação similar não podem se omitir por medo. “Não é fácil bater de frente com a Polícia Militar, bater de frente com o Estado. Se calarmos, essa situação não vai acabar nunca. Só quem pode tirar a vida de uma pessoa é Deus. Precisamos lutar para honrar a memória dos nossos filhos. Temos que deixar o grito falar mais alto”.
Edição: Monyse Ravenna