No Rio de Janeiro, Minas Gerais e Distrito Federal já funciona o vagão exclusivo para mulheres no metrô e linhas de trem em horários de pico. O “Vagão Rosa”, como é conhecido, já foi implementado também no Japão, Egito, Índia, Irã, Indonésia, Filipinas, México, Malásia e em Dubai, países de cultura abertamente machista. A ideia geral é que, em períodos do dia em que ocorra muita movimentação nos trens, apenas ou prioritariamente mulheres possam ocupar o vagão. A finalidade seria evitar violência contra as mulheres, assédios e abusos.
No Recife (PE), a experiência está sendo testada desde o dia 16 de janeiro deste ano, na composição 39 do ramal Camaragibe. O vagão recebe somente mulheres nos horários de pico – das 6h às 8h30 e das 16h30 às 19h30, de segunda a sexta. De acordo com a Central Brasileira de Trens Urbanos do Recife (CBTU), 56% dos quase 400 mil passageiros diários do sistema são do sexo feminino.
A política de separação de homens e mulheres nos trens vem gerando polêmicas e muito debate por onde passa. As opiniões femininas estão divididas. Entre as usuárias há aquelas que acreditam que a medida irá diminuir a violência a que estão expostas diariamente na ida para o trabalho ou para escolas e na volta para casa. “Nossa segurança é muito precária. A cada dia só aumentam os riscos, casos de mortes, estupros e assaltos. O ‘Vagão Rosa’, ainda não utilizei, mas vejo que traz mais segurança e privacidade. Não tem sensação pior do que homem se encostando em você. Infelizmente, há situações que ficamos sem ação”, relata a assistente administrativa, Viviane Franco, de 23 anos.
Boa parte das usuárias de transporte vê a medida como um paliativo, pois tem por finalidade resolver a segurança das mulheres apenas dentro do vagão, esquecendo a falta de estrutura das estações e da própria cidade. Para a jornalista Catarina de Angola, de 29 anos, a separação de um vagão específico não é uma medida importante para a erradicação da violência contra as mulheres. “Eu me sinto muito insegura no metrô, acredito que todas as pessoas que andam nele se sentem. O metrô violenta a gente de várias formas, do fato de você ir imprensada nas outras pessoas, pela sujeira, pela falta de acesso como escada rolante, escadas com corrimão enferrujado, entre muitas outras coisas. Como mulher, me sinto muito pior por ser assediada e mais exposta a assaltos, estupros, mas isso não quer dizer que um vagão específico irá resolver”, enfatiza.
Para muitas mulheres, a segregação nos trens promove o machismo por impactar no direito à liberdade das mulheres, garantida na Constituição de 1988. “Temos nossa liberdade de ir e vir a todo tempo cerceada. Quando aumentam os índices de violência, as mais impactada são as mulheres, que se sentem mais expostas. Para lidar com a questão, as instituições continuam aprisionando as mulheres, quando tomam uma medida como essa”, pontua Catarina.
O poder de definir gênero
No Recife, a identificação do serviço é feita por meio de um adesivo rosa colado nas laterais do trem, com o objetivo de garantir o cumprimento da regra. Além disso, os seguranças do metrô, todos homens, foram colocados para controlar a entrada das pessoas – dois por porta e um na ligação com o vagão seguinte. São estes funcionários que definem rotineiramente quem é homem e quem é mulher no vagão-teste. No dia da inauguração do “Vagão Rosa”, uma mulher foi retirada do vagão exclusivo pelos seguranças por ser trans.
A falta de debate e de informação, inclusive junto aos funcionários da CBTU, expõe a violência da qual a instituição deveria proteger. A estudante de psicologia e militante da Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans), Fabianna Mello Oliveira, questiona esta política. Ela aponta que, da forma pela qual é aplicada a medida, ficam excluídas as mulheres travestis e transexuais, além de não resolver o problema da violência a qual todas as mulheres são vítimas. “Infelizmente, o constrangimento que essa mulher passou, mostra mais uma vez que nós não somos vistas enquanto mulheres pelo serviço público. Fico muito indignada com o que aconteceu com esta menina, e isso só me faz repensar que mais uma vez, nós não somos bem vindas em espaços públicos e que é dentro destes locais onde acontecem diversas formas de violência contra as pessoas trans.”
Fabianna é assessora Parlamentar na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos com Participação Popular da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Foi para ele que chegou a denúncia da vitima que sofreu a discriminação dos seguranças do metrô. Em reposta, Fabianna junto com outras companheiras da Amotrans, realizaram um ato na Estação Central do Recife, no último dia 30, para conscientizar e chamar a atenção de funcionários, empresa e usuários para a problemática. “No ato, nós também fomos proibidas de adentrar e esbarramos mais uma vez com a transfobia. O funcionário questionou se eu tinha uma documento que comprovasse minha identidade, pois só assim seria permitido a minha entrada. Mais uma vez, passamos pela situação vexatória e constragimentos, na qual foi preciso insistir até os mesmos perceberem que alguém estava gravando. Com isso, houve a liberação e a nossa entrada no "Vagão Rosa". "O serviço público é um dos mais violentos para com a população trans, somos sempre vítimas de fatos transfóbicos", denuncia Fabianna.
Edição: Monyse Ravenna