O semiárido brasileiro entra em seu sexto ano consecutivo de seca, considerada uma das mais severas das últimas décadas. A população dessa região convive com a estiagem por saber que o problema não é a seca, este fenômeno da natureza, mas sim a concentração de terras e de água, dois problemas estruturais que aprofundam as desigualdades sociais no Sertão e colocam um grande desafio para a população dessas regiões.
Neste último domingo (19), dia de São José, assistimos a milhares nordestinos e nordestinas que se deslocaram para a cidade de Monteiro, no interior da Paraíba, para presenciar a inauguração popular da Transposição do São Francisco. O evento contou com a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente democraticamente eleita Dilma Rousseff, além de artistas, políticos e cerca de 50 mil pessoas de vários municípios e estados vizinhos.
A obra da Transposição foi iniciada em 2007 durante o segundo mandato do governo Lula e um trecho da obra foi entregue este ano, já durante o governo ilegítimo de Michel Temer. O projeto se propõe a levar as águas do rio a locais onde antes ele não chegava, deslocando-o de seu trajeto comum. A proposta seria então amenizar a deficiência hídrica da região do semiárido. Nesse contexto há quem dispute a “paternidade” da obra por saber de sua abrangência entre os estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.
Por outro lado, as perguntas que os movimentos populares fazem desde o início desse grande empreendimento é: para quê e, principalmente, para quem esta obra foi feita? A Transposição é a melhor maneira de solucionar o problema da falta de água no semiárido brasileiro? Como é possível desenvolver tecnologias que sirvam à convivência da população com o semiárido?
Sabemos que naquela região onde está localizado o município de Monteiro há menos de 5% das reservas hídricas do país. Por isso é inevitável não se emocionar ao ver a felicidade das pessoas com a chegada da água. Entretanto, sabemos também que o percurso do rio com a Transposição facilita a captação de água por parte das indústrias do agronegócio, que já concentram boa parte desse recurso, além do fato de que sua construção desalojou milhares de famílias e comunidades indígenas e quilombolas.
O sorriso de tantas e tantos sertanejos comoveu o Brasil no último domingo. A esperança de que a seca a partir de agora não castigará tanto nos próximos períodos é o que dá forças para seguir, mesmo em tempos de golpe e redução de direitos. No entanto, a inauguração dessa etapa da Transposição se coloca nesse momento como o início de um novo ciclo de luta, a luta pelo direito à água. Para que ela permaneça chegando nas torneiras das casas do povo e não das empresas.
É momento de permanecer, do Sertão ao litoral, despertos, atentas e fortes contra todas as tentativas de retirar aquilo que é direito do povo. Que as águas do Velho Chico sirvam, afinal, para a vida e não para o lucro dos capitalistas do agronegócio.
Edição: Monyse Ravenna