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FUTEBOL

Arquibancadas vazias: crise econômica e violência afastam torcida em Pernambuco

Com públicos menores a cada dia, futebol liga sinal de alerta e precisa de mudanças

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Mesmo em clássicos, como o da foto, é comum que as arquibancadas estejam vazias.
Mesmo em clássicos, como o da foto, é comum que as arquibancadas estejam vazias. - Wiliams Aguiar/Sport Club do Recife

Nos últimos anos a reclamação é recorrente: a torcida não está “chegando junto” dos clubes. Entre os três clubes de maior torcida em Pernambuco (Náutico, Santa Cruz e Sport) o público médio não chega aos 4 mil torcedores. Os dias em que são realizados os jogos, o custo financeiro de ir ao estádio e a sensação de violência são alguns elementos relevantes que justificam o esvaziamento das arquibancadas e desafiam os clubes e federações a adaptarem o futebol à realidade do seu público.

Até o dia 22 de março, quando foi produzida esta matéria, a maior média de público entre os três clubes da capital pertence ao Sport: 3.258 pagantes por jogo, em média, o que dá menos de 10% das arquibancadas da Ilha do Retiro ocupadas. Já o Santa Cruz tem uma média de 2.407 torcedores por jogo, uma ocupação de 4% das arquibancadas do Arruda. E o Náutico está com um público médio de 2.302 pagantes por jogo, ocupando 5% das cadeiras da Arena de Pernambuco. Os times realizaram jogos pelo Campeonato Pernambucano, Copa do Nordeste e Copa do Brasil.

Em 2015 uma pesquisa realizada pelo Instituto Stochos com mais de 8 mil pessoas mostrou que a sensação de insegurança e medo da violência é o mais relevante para 43% dos torcedores que decidem não ir a campo. O segundo fator mais relevante, com 19,3% das menções, é a distância entre sua residência e o estádio.

O fator segurança também tem sido determinante para o técnico em informática Rinaldo Santana reduzir sua frequência nos estádios. “As condições de segurança não são suficientes. Mesmo em jogos que não são ‘clássicos’ alguns grupos de torcedores marcam de brigar. Vivi uma situação dessas quando fui a um jogo entre o Náutico e outro time, mas as torcidas organizadas do Náutico e do Santa Cruz haviam ‘marcado’ de brigar no metrô”, recorda o torcedor alvirrubro. “Até a polícia às vezes passa dos limites, agride torcedores pacíficos, usa spray de pimenta. Essas coisas afastam as famílias”, reclama.

No ano de 2016 mais de 4 mil homicídios foram registrados em Pernambuco, de acordo com dados da Polícia Civil. Só nos meses de janeiro e fevereiro de 2017 foram registrados 977 assassinatos no estado, de acordo com a Secretaria de Defesa Social (SDS).

Os números mostram que o dia da semana em que são realizados os jogos também tem relação com a ocupação das arquibancadas. Das oito partidas que o Sport jogou em casa até agora, cinco foram às quartas-feiras e três aos fins de semana. Os quatro piores públicos do Sport foram às quartas. Os três jogos em fins de semana ficaram entre os quatro melhores públicos até agora.

O Santa Cruz jogou cinco partidas em casa. Destas, os três maiores públicos foram em fins de semana e as duas piores foram no meio de semana, quando o Arruda teve, nas duas ocasiões, menos de mil pagantes. O Náutico jogou seis partidas em casa: os três melhores públicos foram aos domingos, enquanto os três piores públicos foram nos meios de semana.

O pior público foi um Náutico 0x2 Salgueiro, quando 366 torcedores ocuparam menos de 1% das arquibancadas da Arena de Pernambuco. A arrecadação com essas partidas, algumas vezes, não chega mesmo a cobrir os custos que o clube tem com a realização do jogo. A citada partida entre Náutico e Salgueiro teve uma renda bruta de R$ 8.440, enquanto o custo que se tem com a Arena para um único jogo não é inferior aos R$ 50 mil.


Sport é a equipe com maior média entre os três grandes, mas ainda assim ocupa menos de 10% das arquibancadas da Ilha do Retiro. (Foto: Wiliams Aguiar/Sport Club do Recife)


O professor do Departamento de Economia da UFPE André Magalhães avalia também que é preciso considerar a crise econômica pela qual passa o País. “Muita gente está desempregada e boa parte das famílias teve a renda cortada à metade. Então você tira primeiro o que é supérfluo”, avalia Magalhães. Ele considera ainda que jogos às 22h no meio de semana são agravantes no afastamento do torcedor.

Para o economista a boa ocupação dos estádios há alguns anos se dava devido ao programa Todos Com a Nota, do Governo do Estado, que permitia que torcedores trocassem notas fiscais por ingressos com custo praticamente zero. O programa durou de 2003 a 2015. “Tínhamos uma sensação enganosa de estádios lotados, mas grande parte da torcida entrava pelo programa”, pontua Magalhães. “Não estou dizendo que o programa deva voltar, até porque isso não deve ser a prioridade do Estado. Mas acho que mesmo que os clubes baixem os preços dos ingressos, nem tão cedo voltaremos a ter tantos torcedores como no Todos Com a Nota”.

A média de público também segue uma lógica quanto à média de preço de ingressos para os jogos. O ingresso com preço médio mais barato é o do Sport (R$19), seguido do Santa Cruz (R$23) e do Náutico (R$25). O custo da ida ao jogo é apontado como fator que pesa diretamente na decisão de não ir a campo, de acordo com Rinaldo Santana.

“O ingresso é caro. E para quem pega transporte público é mais caro ainda. O País está em crise, com muito desemprego e esse valor dói no nosso bolso”, afirma o torcedor. Pelos seus cálculos, o custo mínimo de deslocamento de sua casa, no Vasco da Gama, para a Arena de Pernambuco é de R$11,20, que somado à média de R$25 do ingresso para o jogo do Timbu resulta num custo de R$36,20 por jogo. “É um custo que está longe de dialogar com a nossa realidade. O salário é baixo e temos contas a pagar no fim do mês”, avalia.

Arena de Pernambuco, um capítulo à parte

O grandioso estádio construído pelo Governo de Pernambuco para sediar os jogos da Copa das Confederações 2013 e Copa do Mundo 2014 continua sendo uma obra difícil de explicar e, principalmente, difícil de se viabilizar economicamente. O professor André Magalhães descreve o estádio como um “elefante branco” cuja inviabilidade precisa ser solucionada.

“A construção, em si, é fantástica. Mas acho que não precisávamos de uma Arena. Só que agora já foi. Está lá e precisamos dar um jeito de usá-la”, opina.

O tema mexe com o alvirrubro Rinaldo Santana, que sente saudades do antigo estádio do Timbu. “Nos Aflitos era muito mais fácil para ir e voltar. O engarrafamento para a Arena é pior, além de ser mais distante para mim”, se queixa. Santana reclama ainda das condições de transporte oferecidos para ir aos jogos do Náutico.

“Eu tenho que pegar dois ônibus e um metrô, que é uma opção horrível, ou então pagar R$15 no Expresso Arena”, diz. O economista concorda. “Gastar quase R$20 de deslocamento é absurdo. Para ir de carro também é extremamente caro e tem engarrafamento”, diz Magalhães. “Ainda não temos transporte integrado e com preço acessível. Coisas triviais ainda precisam ser feitas, como estender o horário do metrô em dias de jogos. No dia que resolvermos a acessibilidade da Arena, não tenho dúvidas, as coisas vão melhorar bastante”.

Edição: Monyse Ravenna