Era uma tarde de “estudo dirigido” e como quem não quer nada, entrei na biblioteca da escola para pegar algum livro aleatório. Lembro como se fosse hoje: capa azul, letras garrafais e um desenho de Caribé. Não conhecia o autor, decidi ler porque queria terminar um livro grosso, de muitas páginas. Já se passaram dez anos desde que li pela primeira vez Cem anos de Solidão. Depois disso, quatro leituras foram feitas, a penúltima inclusive, estava terminando de ler o livro quando o autor morreu. Se me perguntam o porquê de ser tão apegada ao livro, tentarei responder dizendo que se tem uma coisa que une os latino-americanos isso, sem dúvida é a solidão. Macondo tem algumas características e histórias que lembro-me ter ouvido quando criança durante as férias no Sertão de Pernambuco.
A descrição de Macondo pode ser transpassada para qualquer região, cidade pequena desse “continente-mundo” que é a América Latina e, mesmo dez anos depois desse meu primeiro contato com o livro, mesmo depois dos cinquenta anos de sua primeira versão, olhando para a América e todas as atrocidades que nos acontecem cotidianamente, os abusos de poder, nós latinos, continuamos solitários no pior sentido do termo.
A narrativa de Cem anos denuncia as várias violências do mundo, mas acredito que antes de mais nada, ela pode ser caracterizada e o autor confirma isso, no discurso do Prêmio Nobel na década de 1980, de que a obra era uma homenagem à poesia, “à essa energia secreta da vida cotidiana, que cozinha seus grãos e contagia o amor e repete as imagens nos espelhos”. Gabo remete a poesia do cotidiano, a que está na terra molhada, no cheiro do vento, no pôr-do-sol, no beijo apaixonado, no sorriso espontâneo. A essas pequenas “felicidades certas que estão em cada janela”.
Talvez eu quisesse ao reler o livro me encontrar no enredo, nos amores e tentar entender o porquê de me sentir tão só mesmo rodeada de pessoas, talvez eu quisesse dizer pra mim mesmo, que apesar de tudo, estamos sós e isso basta. Precisamos estar só pra acolher verdadeiramente o outro, na sua diferença, com o seu repertório de vida. Estamos sós, mas a poesia nos une. O amor com em toda a sua potência, com seus medos e anseios. O amor a poesia fez com que Gabo escrevesse o livro que marcou a vida de uma geração.
Gabo vive.
* é mestranda em história e nos tempos vagos declama poesia nos bares, nas casas e no YouTube no Juanyando
Edição: Monyse Ravena