Por três dias na semana o publicitário Danilo da Cruz, 32, sai de sua casa com destino ao Instituto de Cegos Antônio Pessoa de Queiroz (IAPQ), no bairro das Graças. No local, Cruz dá aulas de jiu-jitsu para uma turma de 12 alunos parcial ou totalmente cegos, para os quais o tato é o sentido mais importante no processo de aprendizado da luta. Há mais de um ano o publicitário dedica três manhãs de sua semana ao "Jiu-Jitsu com tato". E o faz voluntariamente. Mas projeto corre risco de acabar.
Tudo começou quando ele ainda morava em Brasília, no Distrito Federal. Através de uma parceria entre a Constructor, equipe que integra, e a Universidade de Brasília (UnB), foi instrutor num projeto de extensão com a comunidade. "Foi onde tive o prazer de treinar um amigo cego", relembra o faixa marrom. O aluno era o único cego numa turma de videntes. Cruz ficou responsável pelo acompanhamento individual do aluno e observou que o desenvolvimento foi equivalente ao dos demais atletas. "Num treino 'normal' as pessoas veem e copiam, mas ele não via. Então eu explicava onde entrava a mão e o pé para ele entender minha movimentação corporal. E a partir do tato ele foi compreendendo os movimentos", relembra. "A única diferença é que precisamos ter mais cuidado e paciência com eles", diz o publicitário, que se mudou com esposa e filho para o Recife por questões profissionais dela.
Na capital pernambucana Danilo correu para colocar em prática o projeto que escrevera ainda em Brasília. Encontrou espaço no IAPQ, que cedeu a quadra e doou um pequeno tatame de 3x4 metros. "Eles se interessaram por ser um projeto pioneiro, com poucos registros de algo similar a nível nacional e até internacional", diz Danilo. Os kimonos foram doados pela equipe Constructor, de Brasília. Em março de 2016 as aulas começaram com 3 alunos. O grupo hoje tem 12. "Existe muita procura, muito mais gente que quer participar, mas não posso aceitar mais gente porque o nosso tatame é minúsculo", lamenta.
Durante esses 13 meses do projeto, dois alunos se desafiaram a disputar competições enfrentando lutadores videntes. Severino Silva, 31, totalmente cego, é o aluno que mais recentemente encarou uma competição. "Eu gostei muito de competir. Foi a minha primeira vez, eu estava tenso. Mas achei muito bom. São muito diferentes o treino e a competição. Eu senti que aprendi muito", avalia Silva. Seu mestre concorda. "Foi surpreendente. Ele lutou muito bem e todo o ginásio viu, elogiou. Ele perdeu para ele mesmo, que estava nervoso por sua primeira competição", diz Danilo Cruz. Segundo o professor, a experiência do aluno motivou a turma. "Eles percebem que são capazes e isso os motiva a também competirem. Essa é a intenção da inclusão social, mostrar que existem diferenças, mas que elas não os fazem ser menos competentes", diz Cruz.
As horas que dedica ao ensino do esporte o fazem feliz. Mas as três manhãs dedicadas ao projeto não lhe permitem exercer sua profissão ou encontrar trabalho formal. E Danilo tem uma família para cuidar. "Eu não quero parar com o projeto, por isso tentei todas as possibilidades de parceria. Secretaria Estadual de Educação, universidades, clínicas de visão, hospitais, clubes esportivos... até que recorri ao Catarse", afirma. No site de "vaquinhas virtuais" o projeto "Jiu-Jitsu com tato" até agora só recebeu 10% do valor colocado como objetivo. A campanha de doações foi lançada no início de abril. A vaquinha aceita colaborações a partir de R$ 20 que podem ser feitas através do link: https://www.catarse.me/jiujitsucomtato. O prazo se encerra na noite do próximo dia 25 de maio.
A meta de Cruz é conseguir R$ 28 mil, valor que, segundo o professor, permitiria manter o projeto por 12 meses. "Esse recurso seria usado primeiramente para comprar o tatame, nos permitindo atender melhor os alunos que temos e possibilitando a abertura de outras turmas à tarde", vislumbra o professor. "Nesse caso eu me dedicaria integralmente ao projeto, por isso o valor inclui também uma remuneração pelas aulas", informa. Segundo informa Danilo, as aulas do "Jiu-Jitsu com tato" não são pagas pelos alunos e não recebem aporte financeiro de parceiros. "Mas tenho que colocar comida no prato do meu filho. E isso não é uma escolha. Sem parcerias, precisarei parar o projeto para buscar uma atividade rentável", avisa Danilo.
A situação preocupa o aluno Severino. "Se o projeto parar vai ser muito ruim. Essa atividade nos beneficia muito no dia a dia. Hoje sinto meu corpo diferente, fiquei mais habilidoso, rápido, com mais energia. Passei a me alimentar melhor, ganhei em qualidade de vida e tenho mais disposição", diz Silva, que não encara o fim do projeto e faz planos para o futuro. "Ano passado não tive condições de pagar o exame de faixa, por isso ainda sou faixa branca. Mas este ano quero fazer o exame para subir de grau", planeja.
Edição: Monyse Ravena