Pernambuco

AS GALERIAS

No Recife, lanchonete completa 89 anos como Patrimônio da cidade

Maltado e bolinho cubano são os mais procurados desde os anos 1920

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Jorge Gomes, proprietário e neto do fundador da lanchonete
Jorge Gomes, proprietário e neto do fundador da lanchonete - Vinícius Sobreira/ Brasil de Fato Pernambuco

Há 90 anos desembarcava no Recife o cubano Fidélio Lago, que escolhera a capital pernambucana para refugiar-se de uma crise econômica que seu país enfrentou nos anos 1920. Com experiência de trabalho em lanchonetes e sorveterias em seu país natal, Lago abriu, já em 1928, seu comércio no prédio que divide as avenidas Rio Branco e Marquês de Olinda, no Recife Antigo. No térreo do edifício havia um corredor que conectava as duas avenidas. E foi ali em que o cubano comprou um espaço e instalou As Galerias, lanchonete onde os clientes poderiam encontrar alguns lanches tradicionais do país caribenho.
Com o tempo As Galerias foi crescendo até que todo o corredor térreo se tornasse uma única loja. Uma bebida muito pedida era a Ice Cream Soda, uma bebida gaseificada com sorvete. Naquela época a produção e comercialização de refrigerante no Brasil ainda era tímida. Mas as mais pedidas pelos clientes d'As Galerias eram as vitaminas, com destaque para o carro-chefe da lanchonete até hoje, o maltado, bebida de tonalidade escura que pode ser confundida com o leite achocolatado, mas tem consistência mais espessa e é mais saborosa. “O maltado tradicional leva sorvete de baunilha e o malte da semente do cacau. Não leva chocolate”, informa o Jorge Gomes, 42, proprietário da lanchonete e neto de Fidélio Lago.
Gomes avisa que muitas das vitaminas vendidas no início do do século 20 continuam sendo produzidas na loja. “Ainda vendemos hoje o creme de amendoim ao leite, o creme de ameixa ao leite e o coco malte”, diz o proprietário. As Galerias nunca produziu muitos sanduíches. O lanche mais vendido há quase 90 anos é o “bolinho cubano”, feito na forma do bolo de bacia, mas com uma massa mais macia, coberta pelo malte do cacau com granulado de castanha e amendoim. O bolinho cubano e o maltado tradicional são os carros chefe da casa e custam, respectivamente, R$4 e R$6.

As Galerias passou 74 anos no edifício que abrigou o Espaço Cultural Bandepe e, posteriormente, o Santander Cultural. Um prédio que por décadas recebeu importantes exposições de artes visuais na cidade, mas que desde 2014 se encontra fechado, apesar de embelezar um dos principais cartões postais do Recife. Em 2003 o proprietário do edifício pediu a mudança da lanchonete. “Foi quando o meu pai mudou As Galerias para a rua do Bom Jesus, onde hoje funciona o restaurante Fiteiro. Passamos seis anos lá”, recorda Gomes. O estabelecimento era administrado por seu pai, que se encontrava com problemas de saúde. As irmãs de Jorge, decepcionadas com o contexto do bairro do Recife, não quiseram dar continuidade.
Mas Jorge decidiu assumir e abriu a loja em 2007 no local em que se encontra hoje, na rua da Guia, nº 183, de esquina com a rua Barão Rodrigues Mendes e voltada para a Praça do Arsenal. “Aqui consegui resistir à crise e às fases difíceis que o bairro atravessou e ainda atravessa, mas hoje de maneira mais suave”, celebra Jorge. Uma das vitórias foi conquistada em 2014, quando a lanchonete foi reconhecida por lei, pelos vereadores, como Patrimônio Cultural, Gastronômico e Imaterial da cidade do Recife. O proprietário ressalta, no entanto, que sonha em levar a lanchonete de volta ao seu local de nascimento. “Nunca deveríamos ter saído [do prédio no Marco Zero]. Mas para conseguir voltar precisaríamos de força política, apoio público, para tentar sensibilizar o proprietário do prédio”, diz o empresário.
Desafios e o Recife Antigo
Sobre as dificuldades para manter um estabelecimento comercial no Recife Antigo, o empresário diz que a ausência de residências torna o bairro dependente do poder público. “É necessário que as secretarias de Cultura e Turismo tenham uma atenção especial para que haja sempre uma programação, porque este é um bairro cultural”, cobra Jorge Gomes.
Ao falar sobre o cenário econômico recessivo, ele sugere opções que onerem menos os cofres públicos. “Aqui poderia haver uma autorização de uso de solo, com apoio da companhia de trânsito, polícia militar, vigilância sanitária, para que se montasse um palco para o qual os artistas locais se cadastrem e agendem datas de apresentações”, opina. “Seria uma oportunidade para eles mostrarem seu trabalho e venderem seus CDs. E atrairia outras atividades”, opina.
A lanchonete As Galerias abre de domingo a sexta, das 8h às 22h; e aos sábados, das 14h às 22h.

Edição: Monyse Ravena