Em entrevista para o Brasil de Fato Pernambuco, João Pedro Stedile, dirigente nacional do MST, falou sobre agroecologia, reforma agrária popular e o aumento da escalada da violência no campo.
Brasil de Fato: Na situação de crise pela qual passa o Brasil, há um grande aumento dos conflitos agrários. Qual a relação entre o momento de crise política que estamos vivendo com esse aumento da violência no campo?
João Pedro Stedile: O aumento da violência no campo contra os trabalhadores rurais vem acontecendo sobretudo na fronteira agrícola, ou seja, naqueles estados onde o agronegócio tenta se expandir e a população que vive agora naquela região é uma população mais dispersa e fragilizada, em geral são posseiros pobres, populações indígenas ou áreas de quilombos e por que a violência aumenta contra eles? Primeiro porque o capital tem interesse em ampliar suas fazendas, então vai sobre essas populações que estão lá procurando sobreviver. Segundo porque com o golpe político que a direita deu e impôs o governo Temer, os deputados ruralistas acham que podem fazer o que querem com uma imensa maioria no Congresso. Há uma sensação de impunidade entre os fazendeiros que apoiam a bancada ruralista, esticam a corda e acham que podem tudo, contratam pistoleiro, passam a fazer agressões e a prática da violência, para tentar resolver na bala aquelas questões que antes eles não podiam fazer sem contar com a lei.
Como essa escalada da violência no campo influencia a sociedade em geral?
Acredito que a população que está desorganizada e que assiste muito a [TV] Globo sofre uma influência negativa no sentido de que aqui no Brasil todos os políticos são iguais, isso cria um ceticismo. Mas eu acho que a maioria da população que está numa fábrica, no comércio, nos bancos, que participa da vida social de uma maneira mais ativa, ela já se deu conta que o governo golpista é corrupto, não a política. Essa população já se deu conta que o golpe foi contra a classe trabalhadora e não contra a Dilma e é por essa razão que de uma forma otimista nós estamos assistindo, nos últimos meses, um crescente das mobilizações. Começou já com manifestações de jovens no carnaval, depois o 8 de março com as mulheres, depois a mobilização do 15 de março, a Greve Geral do 28 de abril, as 200 mil pessoas que foram a Brasília e foram duramente reprimidas, os artistas convocando atos culturais aos domingos e a Greve Geral do último dia 30 [e junho]... então eu acho que há uma disposição de luta na população, eu não vejo desânimo na população e essa luta tende a se intensificar.
Como a reforma agrária popular, defendida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), contribui para o desenvolvimento da agroecologia?
Durante muito tempo, talvez todo o século 20, da qual o MST, inclusive, foi influenciado, a visão que nós tínhamos de reforma agrária era uma visão idealista, que bastava repartir o latifúndio, repartir a terra, que os camponeses, então, resolveriam os seus problemas. Porém, o que nós aprendemos nos últimos anos e, sobretudo, na última década, que a missão agora dos camponeses não é apenas ter terra para trabalhar com a sua família. A missão que nós temos que ter é: conquistando a terra, que é fundamental e necessária, o que fazer com a terra. A terra não é só para trabalhar, a terra é para produzir alimentos saudáveis para toda a população. A forma de nós produzirmos alimentos saudáveis sem veneno é adotando as técnicas de agroecologia, que é um conhecimento científico, que procura orientar como você pode produzir alimentos sem usar veneno, em equilíbrio com a natureza.
O MST tem expandido a cada ano a experiência de feiras agroecológicas em diversas cidades do país. Por que o movimento tem apostado nessa estratégia?
Felizmente, tanto estimulado pelo MST, como por outros movimentos, e pela sociedade em geral, que entendeu a mensagem, nós hoje temos no Brasil inteiro a multiplicação de feiras que os assentados têm feito nas cidades para oferecer os alimentos saudáveis e, ao mesmo tempo, dialogar com a sociedade. Eu acho que isso é a melhor maneira de nós fazermos propaganda da reforma agrária popular. E é por isso que a reforma agrária, então, adquiriu esse adjetivo de reforma agrária popular. Porque, agora, a luta pela terra não é só para resolver o problema dos camponeses. Agora, a luta pela terra é para você resolver o problema de alimentar todo o povo, então a reforma agrária deixou de ser camponesa, para ser uma reforma agrária popular. A população sabe que se ela depender só do supermercado e do agronegócio, ela vai ser envenenada. Então a população está descobrindo que a forma de ela ter um alimento mais saudável é ir nessas feiras da reforma agrária, nessas feiras de agroecologia, e poder comprar alimentos baratos e sem o uso de agrotóxicos.
Edição: Monyse Ravena