Na noite da última terça-feira (25) cerca de 100 pessoas saíram em caminhada pelas ruas do Ibura, subúrbio na zona sul do Recife. Em sua maioria jovens moradores do bairro, carregaram cartazes, velas e entoaram palavras de ordem. O ato foi uma vigília por justiça e memória do adolescente Mário Andrade, assassinado exatamente um ano antes, nas proximidades daquele local, a poucos metros de sua casa.
Mário saiu para jogar futebol e, na volta, de bicicleta com um amigo, esbarraram numa motocicleta. De acordo com as testemunhas, o dono da moto, o sargento reformado da Polícia Militar Luiz Fernando Borges, teria reagido apontando sua arma de fogo para os dois adolescentes. O amigo de Mário correu, foi atingido pelos tiros, mas escapou com vida. Mário foi assassinado com três tiros. O acusado só se entregou uma semana depois, afirmando que atirara nos adolescentes ao se defender de uma tentativa de assalto.
“Estamos fazendo essa vigília para que a situação seja resolvida, para que o criminoso pague pelo que fez com Mário, um menino que não fazia mal a ninguém”, diz Wallace Medeiros, 17 anos, colega de escola da vítima. “A gente não vai se cansar enquanto a justiça não for feita”, completa o adolescente. A mãe de Mário, Joelma Andrade, reafirma sua luta pela condenação do acusado. “Se ele achava que ficaria impune, errou. Eu não vou deixar isso impune. Eu não paro enquanto não conseguir justiça”, avisa. “Muita gente me pergunta por que continuo nessa luta se ela não fará meu filho voltar. Eu sei que não trará ele de volta. Mas luto para que não haja outras mães e outros Mários, pelo menos não pelas mãos desse sargento reformado”, brada.
Luiz Fernando Borges permanece em prisão preventiva, mas ainda não foi julgado. Os advogados do sargento reformado abandonaram o caso, deixando a defesa sem alegações finais – o que retardou a conclusão do processo. Mas Defensoria Pública do Estado já apresentou as alegações finais da defesa. A expectativa da família de Mário é de que o juiz faça o pronunciamento do caso ainda em agosto para que o júri popular seja agendado.
Vizinha de Mário, Myllena Santos, 23, avalia que a vigília é um momento de solidariedade, revolta e organização popular. “Além do sentimento de perda, há a indignação, pois sabemos que esse não é um caso isolado. É uma situação recorrente nas nossas vidas e não podemos nos calar diante dela”, afirma Santos. Ela destaca a necessidade de organização popular para combater o extermínio da juventude negra nas periferias. “É importante esse momento de vigília para fortalecermos os nossos laços, amarrarmos as trincheiras da luta e seguirmos em frente”, diz. “E ninguém melhor que essa juventude para ser o coração dessa mobilização. É nela que está a força motriz para seguirmos na luta”, completa.
De acordo com o “Atlas da Violência 2017”, levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), no Brasil os jovens negros possuem 23,5% mais chances de serem assassinados do que jovens brancos. O crescimento de 22,7% no número de homicídios nos últimos 10 anos foi acompanhado pelo crescimento do número de vítimas negras, que representam 71% do total de pessoas assassinadas no país.
Adolescente negro, Mário foi mais uma vítima. Seus amigos recordam seu sonho de abrir uma indústria de feijão, as brincadeiras na escola e os passeios. “Eu não tinha um amigo como ele. Ele era muito divertido. Gostávamos de sair juntos para Boa Viagem, para o Parque Dona Lindu, ou jogar bola, mas sempre para nos divertir”, recorda Bruno Silva, 18, que mal consegue expressar os sentimentos ao lembrar do amigo. “O que fica é um sentimento... a gente não entende o que foi isso. Não tem explicação para terem feito isso com ele. Fica a tristeza de saber que não poderei mais vê-lo”, lamenta. “Esse ato foi para lembrar dele para sempre. Ele faleceu, mas continua vivo em nossos corações”, completou Wallace.
Ao fim da vigília, a mãe de Mário afirmou que o momento foi de tristeza e de força. “Foi um dia de tristeza, de muita dor, porque meu filho não será esquecido enquanto eu estiver viva. Mas também foi um momento de força para mim, para sentir a paz que o meu filho está tendo agora”, disse Joelma, que agradeceu os amigos, familiares e vizinhos presentes. “Também foi importante para eu ver quantas pessoas continuam ao meu lado mesmo após um ano do ocorrido. É o que me fortalece. E vou até o fim”.
Edição: Monyse Ravena