Pernambuco

Semiárido

Água de qualidade para beber e para alimentar o Brasil

Programa Cisternas do governo Dilma é selecionado em prêmio como política pública de referência para o futuro

Brasil de Fato | Recife (PE) |
"Essa experiência do Programa Cisternas foi uma iniciativa da sociedade civil de provocar o governo a repensar as políticas para o Semiárido
"Essa experiência do Programa Cisternas foi uma iniciativa da sociedade civil de provocar o governo a repensar as políticas para o Semiárido - Fred Jodão / Arquivo ASA

“Para beber naquela época a gente carregava água do barreiro, que era mais perto. Mas às vezes tínhamos que ir na barragem do Algodão, que é mais longe. Então a gente ia de carro de boi e com os dois meninos em cima. Eu conto para as minhas filhas mais novas como era com os dois mais velhos, como tinha sido difícil, e às vezes elas nem acreditam que tínhamos esse trabalho todinho”, conta a agricultora Delvânia da Silva, do Sítio Lagoa Comprida, em Ouricuri, no Sertão do Araripe de Pernambuco.

Ela lembra como era sacrificante ter que buscar água todos os dias para poder beber, cozinhar e fazer o trabalho em casa. Essa era uma dinâmica comum há 20 anos, época em que a região passava por um período longo de poucas chuvas, e que a produção da família de agricultores era tão pouca sem água que o esposo de Delvânia viajou em busca de trabalho na cidade de São Paulo, no Sudeste do Brasil.

A busca pela água é uma tarefa que muitas vezes quem mora em grandes cidades, abastecidas com água encanada regularmente, não consegue imaginar. Ou não imaginava, já que os racionamentos de água têm sido constantes em diversas regiões do país. Mas caminhar alguns quilômetros para ter um mínimo de água possível foi e ainda é, para alguns, uma realidade nas áreas de clima Semiárido no Brasil. A causa do grande esforço não é apenas o clima, pois se esse fosse o único problema, uma cidade como Recife não teria racionamentos de água, já que é uma cidade de chuvas regulares, cortada por rios, mas que o abastecimento não chega a todas as pessoas de forma regular, principalmente em áreas de periferia.

O abastecimento de água e saneamento no Brasil não é uma política pública universalizada. O país, apesar de ter grande volume de água acumulado em rios, bacias hidrográficas e florestas, precisa ainda efetivar políticas mais efetivas e contextualizadas aos diversos espaços que o formam. No entanto, já existem propostas que têm tido êxito em sua implementação. Um delas é o Programa Cisternas, potencializado nos últimos 13 anos, a partir da proposição e ação de organizações da sociedade civil no Brasil, em especial reunidas na Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).

A ASA trouxe uma proposta simples para emergencialmente dar conta da falta de água de qualidade para beber no Semiárido em épocas de estiagem: construir um milhão de cisternas para acumular a água que cai do céu durante o período de chuvas. A proposta se concretizou através das cisternas de placas, inovação já realizada por outras organizações e movimentos populares há anos na região. E foi sendo aprimorada também na realização de cisternas e outras tecnologias sociais de acúmulo de água das chuvas para também cultivar alimentos em épocas de estiagem e para a criação de animais.

Essa proposta da ASA, rede formada por mais de três mil organizações no Brasil e fortalecida no Programa Cisternas, em especial nos governos dos presidentes Lula e Dilma, ambos do Partido dos Trabalhadores (PT), foi uma das seis políticas públicas selecionadas em todo o mundo para receber o Prêmio Internacional de Política para o Futuro de 2017 (Future Policy Award), anunciada em Berlim, na Alemanha, no mês passado. “Essa experiência do Programa Cisternas foi uma iniciativa da sociedade civil de provocar o governo a repensar as políticas para o Semiárido, e que teve um ganho na relação Estado e sociedade em sua formulação”, afirma Alexandre Henrique Pires, coordenador da ASA em Pernambuco.

Produção de alimentos
As cisternas de placas e outras tecnologias sociais de captação de água de chuva implementadas pela sociedade civil atende a zona rural de municípios do Semiárido, o que significa que incrementa a produção da agricultura familiar. No Brasil, a agricultura familiar é responsável por cerca de 70% da alimentação que chega nas mesas de toda a população do país. No entanto, o que o governo não-eleito de Michel Temer tem implementado são cortes de recursos em ações de incentivo à agricultura familiar e reformas na legislação, o que tem refletido diretamente na perda de direitos duramente conquistados através de luta pelo povo brasileiro.

Com as ações de convivência com o Semiárido não têm sido diferente, cortes de recursos têm sido realizados em ações estruturantes de convivência com a região semiárida, ou seja, políticas que permitem que a população tenha condições de produzir e viver no clima Semiárido, com ações específicas e adaptadas ao clima, já que não se combate a seca e, sim, se aprende a conviver com o clima.

O agricultor Iranildo José Cavalcante, do Sítio Cal, também em Ouricuri, tem cisternas que acumulam água para o consumo humano, mas também para garantir sua produção de alimentos. Ele produz ervas medicinais, coentro, tomate e outras hortaliças. Todas utilizando a água da cisterna em épocas que não chove. E também cria animais: caprinos, ovinos e galinhas. É a produção de agricultores como Iranildo que chega nas mesas da população e que garante também uma alimentação mais saudável, já que não utiliza venenos na plantação. Sobre a diminuição de recursos para ações de convivência com o Semiárido, como a implementação de cisternas, Iranildo avalia como muito ruim para quem vive no Semiárido brasileiro e ainda faz um alerta: “Em vez de diminuir as verbas para cisternas, é necessário aumentá-las. E em vez de colocar água para ser distribuída em carros-pipa, porque essa é uma forma de comprar votos muito utilizada por políticos que se aproveitam para que a pessoa troque o voto em água, que se investisse os recursos em outras cisternas que melhorava muito a vida dos agricultores”.

Alexandre Pires explica que o montante de recursos para o Programa Cisternas teve uma diminuição já entre os anos de 2015 e 2016. No entanto, essa redução tem se acentuado no último ano e isso pode refletir no aumento dos índices de pobreza no país. “A redução de recursos do Programa Cisternas significa a ampliação das possibilidades de retorno do Brasil ao Mapa da Fome. Podemos voltar a uma situação de extrema pobreza e uma situação de fome da população que vive nesse território [Semiárido]. É importante ressaltar que de 2016 para 2017 a gente acentua essa redução dos recursos para o programa de cisternas”, diz. A redução de recursos tem impactado várias áreas essenciais para a população do Brasil. Além das reformas que têm atingido diretamente as conquistas da classe trabalhadora.

"Nós da ASA vemos com bastante preocupação esses retrocessos que a gente encontra no Brasil, seja pela diminuição dos recursos do Programa Cisternas, pela diminuição de programas estratégicos como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que ajudou significativamente para a redução da fome no Brasil, seja a redução de recursos de programas de educação, pela reforma trabalhista e a reforma da previdência, que está aí para ser aprovada”, afirma Pires.

Edição: Monyse Ravena