“Tem que manter isso, viu?” A fala de Michel Temer, referindo-se à continuidade do pagamento de propina a Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, foi o início de mais um capítulo na história da crise política. Foi a primeira vez na história do país que um presidente é acusado por um crime comum. A denúncia, vinda do Supremo Tribunal Federal, acusa o golpista de utilizar o deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) para negociar vantagens para terceiros em troca de propina. Michel Temer recebeu R$ 500 mil do empresário Joesley Batista, dono da J&F Empreendimentos.
Desde que a denúncia foi homologada pelo Superior Tribunal Federal (STF), o golpista vinha arquitetando o arquivamento da denúncia com promessas que iam desde emendas parlamentares aos deputados que votassem a favor do presidente a intermináveis jantares dentro do Congresso para atender seus interesses pessoais. A denúncia seguiu para a Comissão de Constituição e Justiça, onde o deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) emitiu um relatório favorável ao presidente ilegítimo. A partir daí, o relatório partiu para a votação na Câmara dos Deputados. Para que a denúncia fosse aceita e a investigação seguisse, eram necessários 243 votos dos 513 deputados.
A maioria dos deputados que em 2016 votaram em nome das suas famílias votaram hoje pelo arquivamento da denúncia contra Temer em nome do que chamaram de estabilidade econômica e política, em nome da reputação de Temer e pelas Reformas. A incoerência dos deputados favoráveis a Temer é tão grande que ignoram que 95% da população rejeita o governo ilegítimo e 88% querem eleições diretas; que o desemprego hoje em 13,7% é o maior nível registrado na história do IBGE, e que o golpe de Estado ocasionado por eles mesmos tem empurrado o país para um caminho de contrarreformas e cortes sociais aparentemente sem volta.
Ainda houve quem alegasse que era preferível que Temer fosse investigado após terminar o mandato que usurpou. Cabe nos questionar por que as mesmas pessoas que interromperam o mandato da presidenta Dilma Rousseff hoje querem que Temer encerre seu mandato mesmo com provas do crime de corrupção.
Outra particularidade do show de horrores protagonizado pela Câmara foi a cobertura da grande mídia. Se a cobertura do impeachment exigia transmissão total e irrestrita em pleno domingo, com placar e comentarista ao estilo da cobertura futebolística da Rede Globo, o processo de votação só foi exibido no momento decisivo e milhões de brasileiros perderam a oportunidade de ver a podridão do atual sistema político. Entre agressões verbais, pixulecos e gritos de “Diretas Já”, o parlamento se manifestava (quase sempre) favorável ou contra o arquivamento e a impunidade.
A vitória folgada na Câmara mostra que agora as reformas devem ser aprovadas a toque de caixa e direitos conquistados com a luta de quem trabalha são dizimados por um Congresso que nem de longe representa o povo brasileiro.
Edição: Monyse Ravena