No último domingo, o Teatro Mamulengo, no Recife Antigo, foi palco da cultura popular pernambucana. No dia do seu aniversário de 57 anos, o poeta Miró da Muribeca lançou seu 11º livro, “Meu filho só escreve besteira”. De produção independente e limitada, com 100 exemplares, o livro é um envelope de papel pardo com cada capa feita à mão pelo poeta com 17 poemas descartáveis sentimentalmente, como disse Miró. “É o meu terceiro livro nesse formato e eu costumo dizer que ele não é egoísta, por exemplo, você sente vontade de distribuir, e daqui a pouco esse livro não é mais seu, ele vai embora pro povo”.
Com microfone aberto, a Rua da Guia foi ponto de encontro do Maracatu Várzea do Capibaribe e outros poetas e poetisas que se valeram do microfone aberto para um recital em conjunto com o aniversariante, que vinha sendo cobrado pelos leitores para lançar algo novo. “Mas aí eu queria fazer alguma coisa, tá muito perto [do aniversário], então voltei aos envelopes, um livro original feito por mim, vendido por mim”.
A fila montada na sessão de autógrafos confirma o espanto de Miró ao ver a quantidade de jovens procurando poesia de rua, coisa que ele afirmava ser rara quando era jovem e se tornou a exceção da regra: criado pela mãe solteira, negro, pobre, da periferia e que faz uma poesia que furou o cerco e ultrapassou a Muribeca, chegando a países como a Argentina. Em 2015, foi um dos homenageados da Bienal do Livro de Pernambuco, junto com Luzilá Gonçalves Ferreira e Ascenso Ferreira.
O título do lançamento, “Meu filho só escreve besteira”, escrito de pincel cuidadosamente em cada capa de papel pardo faz referência a mãe, que não entendia muito a poesia do filho e ao invés de poeta, o intitulava como um fofoqueiro da rua. “Quando ela foi embora, cinco dias antes de ir me chamou no quarto e disse que eu cuidasse da única coisa que sei fazer. Porque ela não gostava e nem entendia, mas tinha quem entendia, gostasse e comprasse”.
Pela poesia que transborda os livros com crivo de editoras e está nas ruas, na internet e a qualquer momento pronta para ser dita, ele também se considera um poeta popular, forjado no fim da década de 70, com a poesia marginal. Se nunca teve a oportunidade de estudar numa universidade por admitir que não gostava de estudar, Miró foi objeto de estudo na Academia com a poesia que é entendida da camareira ao engenheiro, como ele observa.
Se no papel versos como “Todos os dias o ônibus de Deus vem buscar alguns” nos incita a reflexão sobre pequenezas da vida urbana, a performance do poeta impressiona. Ele se orgulha de ser, segundo ele mesmo, o único escritor a vender 5 livros enquanto passava numa ponte. Miró é uma raridade nas livrarias até mesmo de sua cidade natal, pela produção independente e por se incumbir da tarefa de vender os livros enquanto recita versos nas ruas e ônibus da cidade.
O gosto pela escrita veio com Maurício Silva, que indicava autores como Drummond, Chacal, Leminski, Cida Pedrosa e lhe instigou a escrever o primeiro poema, quando tinha 24 anos. A inspiração para recitar veio de longe, com o amigo Manuca Almeida, de Juazeiro da Bahia, com quem viajou por 5 cidades vivendo da venda dos livros e da generosidade de desconhecidos. Miró já passou por São Paulo e Teresina, mas é na capital pernambucana que vive e vê a poesia saltar das ruas, UTI’s e até cemitérios.
Ele,que se define um misto de cronista, alegrista e poeta tem uma relação íntima com as ruas do Recife. Apesar de hoje viver no Hotel Central, no bairro da Boa Vista, sempre fez da rua sua casa e matéria prima principal. Após “aDeus”, um livro com reflexões sobre a morte e o período em que foi internado, “Meu filho só escreve besteira” intercala a brincadeira com as paixões cotidianas e leves com reflexões curtas e mais aprofundadas. “Esse livro é um tapa na bunda do ‘aDeus’, que é bom, que vende até hoje, é mais vendido, mas agora eu quero dizer umas coisas mais hilárias.
Edição: Monyse Ravena