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INTENSIDADE

Crossfit: grande intensidade exige cuidado ainda maior

Sem cuidados devidos, modalidade pode colocar em risco os joelhos, ombros e coração

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Quem não está preparado e faz uma aula intensa corre risco cardiovascular mais alto
Quem não está preparado e faz uma aula intensa corre risco cardiovascular mais alto - Fotos: Crossfit/ Divulgação

Quando pensamos em perder a barriguinha ou ganhar músculos, ou ainda em buscar um exercício por questões de saúde ou para mudar a silhueta, dificilmente nos imaginamos pendurados em cordas, escalando ou levantando um pneu de trator – e ainda com outras pessoas “na torcida”, tentando nos motivar. Pois esse tipo de treino tem ganhado milhares de adeptos mundo afora.
Com conceito diferente do que costumamos ver na musculação, o crossfit propõe exercícios funcionais em alta intensidade e com grande variação, realizando treinos diferentes a cada dia, sempre focados no desenvolvimento do condicionamento físico do praticante. Os treinos são compostos por exercícios que pedem maior potência e têm duração de segundos; exercícios de potência moderada e que duram alguns minutos; e outros de baixa potência e com maior duração, para gastar a energia acumulada através da gordura.
Outra diferença é que o treino é realizado em equipe, criando um “time” onde as pessoas sofrem juntas, se ajudam e celebram juntas suas conquistas. Para alguns isso modifica a atmosfera do treino. Uma praticante aprovou esse formato é a fisioterapeuta Iviana Marinho, 26 anos. No “box” de crossfit onde ela treina, chega a 22 pessoas treinando juntas numa equipe. “Fazemos muitos exercícios em grupo, trio ou dupla. Isso dá um dinamismo muito grande. Você ajuda no que você é bom, aprende com o outro para corrigir suas falhas. Gosto muito de como isso funciona”, elogia.
A modalidade teve origem nos anos 1990, nos Estados Unidos, quando o ex-ginasta Greg Glassman desenvolveu o método e, pouco depois, foi contratado para treinar equipes de polícia na cidade. As aulas logo deixaram de ser particulares e passaram a ser oferecidas a grupos. A marca CrossFit foi formalmente registrada no ano 2000. Hoje já são mais de 10 mil academias afiliadas à marca em todo o mundo.
Há quem diga que o sucesso tem relação com a forma que a empresa controla e expande o crossfit. Hoje funcionam aproximadamente 850 academias (ou boxes) de crossfit no Brasil, sendo 17 em Pernambuco: uma em Petrolina, três em Caruaru, uma em Jaboatão e 12 no Recife.
Esportista desde cedo, Iviana já fez vôlei, kickboxing, handebol, musculação e se mantêm praticando dança e pilates. Mas ela avalia que o crossfit junta várias práticas que gosta, como ginástica, levantamento de peso e corrida, por exemplo. Marinho buscava um esporte que lhe desse prazer e ajudasse a “melhorar a forma física”. “Foi melhor do que eu esperava. Na primeira aula eu achei que não conseguiria fazer muita coisa, mas descobri que conseguia e muito”, recorda. Ela pratica crossfit há mais de um ano, treinando 5 dias por semana, sendo uma hora de treino diário.

Ela avalia que conseguiu melhorar sua forma física, a mobilidade, flexibilidade, a disposição e o desempenho durante o dia. No “box” que frequenta o treino é dividido em ginástica, exercícios de levantamento de peso e aeróbicos. Para ela, o sucesso da modalidade tem relação com o estímulo à superação individual. “O que o crossfit se destaca, na minha opinião, é por nos colocar contra nós mesmos o tempo inteiro, nos desafiando com relação a tempo, peso, performance de ginástica”, diz Marinho.
Mas a intensa modalidade também cobra uma atenção especial com a saúde do praticante. É o que alerta a cardiologista Tereza Lins. “Pela ter alta intensidade e pouco tempo de recuperação entre um exercício e outro, o praticante de crossfit precisa estar muito preparado. Quem não está preparado e faz uma aula de alta intensidade, corre um risco cardiovascular mais alto”, informa.
Especialista em medicina esportiva e membro da câmara técnica de medicina esportiva do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (CREMEPE), a médica diz ainda que pessoas sem histórico de problemas cardiológicos podem acabar desenvolvendo uma doença cardíaca devido ao exercício. “No exercício você vai exigir um esforço muito maior do coração. E muitas vezes aquele indivíduo não tem capacidade de fazer aquilo. Então tem maior risco de morte-súbita, maior risco de fibrilação atrial ou doença arteriosclerótica acelerada”, pontua.
A especialista chama a atenção dos praticantes para não exagerarem na competitividade e colocarem sua saúde em risco. “O crossfit estimula que a pessoa supere seus limites. Mas isso traz um risco maior de 'overtraining'. Por isso essas atividades provocam muitas lesões de joelhos e ombros, devido à intensidade. Não é um esporte para todo mundo. É para quem pode”, avisa. E pede que os praticantes prestem atenção no coração. “O coração tem que estar muito saudável. Ele existe com a única finalidade de fornecer o oxigênio necessário aos tecidos do seu corpo. Se você está fazendo um exercício de maior intensidade, seu corpo precisa de mais oxigênio. Mas será que você tem bomba cardíaca para dar conta desse nível?”, provoca Lins.
Cuidados
A médica afirma que o primeiro passo antes de aderir ao crossfit é realizar uma avaliação com o médico do exercício para conhecer a saúde de seu coração. Em seguida, o aluno deve fazero o teste ergométrico para saber até que nível de exercícios ele pode atingir. “A doença que mais mata após os 35 anos é a doença coronariana. Então precisamos saber da saúde do coração. E quem está abaixo dos 35 também deve fazer, para saber se possui alguma patologia que o impede de praticar uma atividade de alta intensidade”, avisa a especialista.
O aviso é reforçado pelo profissional de educação física André Souza, assessor técnico de fiscalização do Conselho Regional de Educação Física (CREF) em Pernambuco. “Antes de iniciar a prática o aluno precisa passar por avaliação física e realização de uma anamnese, um histórico clínico do praticante. Essas etapas são fundamentais para que o profissional avalie se há alguma pré-disposição a lesões, por exemplo”, diz Souza.
Ele também sugere que o praticante evite riscos, principalmente no início. “O crossfit é uma atividade de alta intensidade e demanda um período de adaptação. O iniciante deve trabalhar com cargas leves. Se um indivíduo sedentário fizer exercícios de alta intensidade, pode ter problemas. Por isso é necessária a avaliação física, seguida de um treinamento prescrito de acordo com o estado do praticante”, alerta o profissional.

O ambiente de treino deve proporcionar segurança aos praticantes e se tem espaços arejados. “Como é um treinamento de alta intensidade, se o ambiente for quente, o aluno vai passar mal”, avalia. Souza aponta ainda que os alunos devem procurar informações sobre o local de treino, o “box” de crossfit em que ele está pensando praticar, para saber se o local é credenciado no CREF. “O registro significa que a empresa se comprometeu a ter profissionais de educação física atendendo ao público”, avisa.
Souza também alerta que é importante que as pessoas estejam atentas à qualificação da equipe que acompanha os treinos. E avisa que muitas empresas têm profissionais, mas colocam os chamados “coaches”, que podem ser estudantes de educação física ou ainda uma pessoa que fez apenas o curso de crossfit. “Os coaches, se não forem profissionais de educação física ou estudantes em período regular de estágio, não podem orientar. Essas pessoas não têm, de acordo com a lei, habilitação legal para exercerem tal profissão”, informa. Os estudantes devem ter contrato de estágio, estar cursando bacharelado em educação física e ter acompanhamento profissional no local da atividade.
Fisioterapeuta, Iviana Marinho diz que muita gente a questiona por praticar crossfit. “A pessoa precisa respeitar seus limites físicos, porque se você não respeitar, vai acabar se machucando”, pontua. Ela também reforça que a formação das pessoas que trabalham no “box” é outro ponto importante para ela se sentir segura. “Eles que ‘tomam conta’ da gente para não nos machucarmos. Se eles não estiverem lá ou se não tiverem boa formação, o nosso risco é maior”, avalia.
A médica Teresa Lins avalia que os cuidados são necessários, mas não devem impedir que a pessoa encontre uma atividade física que combine com sua saúde. “O treino traz benefícios, mas as pessoas precisam saber se estão preparadas para esses exercícios. Mesmo os cardiopatas podem praticar atividades físicas leves ou moderadas, desde que prescritas pelo seu médico. Cada um faz o que pode. A pessoa só deve ter cuidado para não ultrapassar os seus limites”, pontua a cardiologista.
Ela cita ainda um estudo da Cleveland Clinic com mais de 1.500 atletas com histórico de problemas cardiológicos. O levantamento observou que o índice de mortes era 2,6 vezes maior entre os indivíduos que corriam mais de 10 quilômetros por dia. “Os que têm atividades mais extenuantes morrem mais. Em primeiro lugar, os sedentários. Em seguida os que fazem exercícios de maior intensidade”, alerta. “O ideal é que você faça atividades físicas respeitando os seus limites. Então o meio-termo é o melhor caminho”, avalia Lins.

Edição: Marcos Barbosa