Quem pode fazer filmes e criar imagens sobre as mulheres negras? Essa é uma pergunta que vez ou outra ouço e que poderia responder que todas as pessoas podem. No entanto, como mulher negra, prefiro perguntar de volta: quem precisa fazer filmes sobre mulheres negras?
Uma pesquisa do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, apontou que apesar de as mulheres negras serem cerca de 30% da população brasileira (segundo a Pesquisa Nacional de Domicílio, PNAD, de 2015), elas representam apenas 4% do elenco dos filmes analisados entre 1995 e 2016. No período de 21 anos, em mais de 200 filmes nacionais de grande bilheteria, nenhum teve uma mulher negra como diretora ou como roteirista.
Afinal, quem pôde até hoje criar imagens e realizar filmes sobre as mulheres negras na sociedade brasileira? Quem são as mulheres negras nas telas de cinema, nos filmes da Sessão da Tarde e nas produções brasileiras chamadas “comerciais”, por exemplo, da Globo Filmes? Façam um exercício de olhar quem dirige a produção e que papéis são destinados às mulheres negras. Historicamente fomos as empregadas domésticas, escravizadas, corpos objetificados e hiperssexualizados.
O espaço da criação, da arte, sempre foi negado ao povo negro, em especial às mulheres negras. É essa balança que precisamos equilibrar. É com mais mulheres negras cineastas, produtoras, atrizes, diretoras de fotografia que acontecem mudanças nas telas e de como nossas histórias e vidas são retratadas. Quando uma de nós sobe, puxamos outras. E assim seguimos juntas.
A história e a vida das mulheres negras é rica de força, de superação, de fé e de coletividade. Filmes como Travessia (BA), de Safira Moreira, que recebeu o prêmio de “melhor imagem” no X Janela Internacional de Cinema, no Recife, é exemplo dessa mudança – e talvez por isso seja tão importante discutir o poder da representação, da lembrança e memória registrada em fotografias.
Estamos no cinema para criar outras imagens e narrativas disponíveis sobre mulheres negras, construir referências positivas para meninas e meninos negros que virão. Quando gritarem-nos negra, que possamos responder com um sorriso no rosto, orgulho e reconhecimento do nosso poder. Nosso lugar é no cinema, atrás e na frente das câmeras, onde quisermos.
*Feminista, negra, jornalista e realizadora audiovisual.
Edição: Monyse Ravena