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Artigo | Trânsito, mortes e responsabilidades

O Recife possui um dos trânsitos mais violentos do país

Brasil de Fato | Recife (PE) |
"De todos os casos, somente aquele que atingiu os amigos do rei é que está sendo tratado com a devida seriedade"
"De todos os casos, somente aquele que atingiu os amigos do rei é que está sendo tratado com a devida seriedade" - Ameciclo

“Um psicopata ao volante”. Assim foi declarado pelo poder público e a sociedade motorizada recifense o jovem que, transitando em seu veículo de luxo a 108km/h, colidiu com a lateral de um utilitário blindado de uma típica família da classe média, matando mãe, filho e babá, além de deixar pai e filha gravemente feridos. O jovem agora está sendo denunciado por triplo homicídio doloso duplamente qualificado e tentativa de outros dois. No auge da imprudência, comum de muitos dos motoristas da cidade, acertou o alvo errado.

Um ano atrás, um caso ocorrido em uma área de baixa renda causava comoção, mas nem de perto próxima do que este caso tem trazido. Dois jovens foram mortos na porta de casa por um outro motorista que, em alta velocidade, arrancou vários vergalhões de ferro e destruiu o portão da casa onde eles entravam. Não fosse à época a comunidade queimando pneus todos os dias da semana - exigindo a punição e a colocação de fiscalização na região - talvez o caso pouco tivesse sido explorado na imprensa. O motorista da ocasião conseguiu evadir-se do local sem fazer bafômetro e até hoje o caso sequer foi a julgamento. Mais um psicopata? Não, este apenas era mais um jovem que cometia “um erro”.

Quem de nós será o próximo? O Recife possui um dos trânsitos mais violentos do país, com mais de 500 mortes anuais, inúmeras notícias de colisões e atropelamentos. De todos os casos, somente aquele que atingiu os amigos do rei é que está sendo tratado com a devida seriedade, porém não há ilusão de mudanças na postura e no tratamento democrático das mortes no trânsito em um futuro próximo - nem pela sociedade, tampouco pelo poder público.

Ambos os condutores assassinos estavam apenas passando “um pouco” dos limites que a sociedade carrocrata tem imposto constantemente nas vias: motoristas excedem a velocidade máxima; fiscalização eletrônica desligada de madrugada para “proteger motoristas de assaltos”; colisões e atropelamentos ainda tratados como “acidentes”; carros estacionados nas calçadas e nas ciclofaixas; dentre outros.

A discussão profunda que devemos ter é se iremos sempre atribuir apenas a uma pessoa a responsabilidade pelo o que aconteceu, sendo reféns do sentimento dos nobres, ou se vamos enfim discutir a psicopatia presente no âmago da nossa sociedade carrocrata.

*Integrante da Ameciclo

Edição: Monyse Ravenna