José Paes de Lira Filho, o Lirinha, é vocalista do grupo Cordel do Fogo Encantado. Após oito anos longe dos palcos e sem lançar discos, o grupo retorna com o lançamento do disco e a turnê Viagem ao Coração do Sol. Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, o cantor comenta sobre o retorno da banda, a influência negra e dos movimentos populares na construção do novo disco e sobre o papel do artista nessa conjuntura política.
Brasil de Fato: Porque após anos de hiato o grupo resolveu voltar? Como tem sido esse retorno?
Lirinha: Tudo começou com uma procura dessas plataformas de streaming, para que a gente lançasse nossa discografia, que eram três discos e um DVD. Aí começamos a organizar esse material, nossa memória, nossa história, porque estava tudo disperso desde 2010, quando eu anunciei a saída da banda. Os discos antigos tinham esgotado, estavam fora de catálogo, aí nessa organização pensamos que se vamos anunciar isso, fazer um movimento de notícia sobre essa discografia, porque não fazer um disco novo? Uma mensagem para 2018. E aí isso ficou nos instigando a compor um novo disco e foi o que fizemos durante 2017.
Como tem sido esse retorno aos palcos e, especialmente, essa volta a Pernambuco, o estado de origem da banda?
Começamos agora uma turnê programada durante esse período que estávamos elaborando o disco e o trabalho, então, a ideia é passar por todas as capitais do país, mas começando por aqui, pela nossa região, onde tem um público mais consistente da banda. Acredito que é um ano e meio de turnê e aí cumpriremos essa etapa da divulgação do "Viagem ao Coração do Sol", que é o nome do disco e da turnê, aí provavelmente nos recolheremos de novo, após isso.
Você tem se aproximado dos movimentos populares, mais especificamente o MST. Como isso tem contribuído no processo criativo da banda?
Tem um assentamento em Arcoverde chamado Pedra Vermelha, um assentamento antigo do MST. Um grande mestre de música, meu maior mestre na área de música, chamado Lula Calisto, que é fundador do grupo de samba de coco Raízes de Arcoverde, ele dava aula na escola, dava aula de samba de coco na escola desse assentamento. Isso me impressionava muito, porque eu sabia da importância daqueles, mas ele não dava aula em nenhuma escola da cidade, mas dava aula na escola do MST.
Eu fiquei encantado com o processo, o projeto e aí criei um carinho especial pelo Movimento. E aí fui me envolvendo cada vez mais, e aí fui conhecer há uns cinco anos a Escola Nacional Florestan Fernandes, aí uma nova emoção. Quando eu cheguei encontrei um plenário que se chamava Patativa do Assaré. E eu fiquei mais uma vez impressionado com a capacidade de homenagem necessária, porque o Patativa é uma voz da poesia dos agricultores, uma voz da história de formação do interior do Nordeste e também porque nunca tinha visto uma homenagem pelas coisas oficiais do país.
Aí fiquei contando histórias, porque tinha conhecido e viajado com Patativa quando eu era criança porque eu recitava poesia e tinha em Patativa um grande mestre e aí fui convidado para fazer uma palestra, uma conversa sobre ele num encontro que acontece anualmente lá na escola.
Nesse dia aconteceu uma invasão da polícia, um capítulo triste para a escola, e eu estava lá, eu estava falando na hora que isso aconteceu, então mais uma coisa que nos enlaçou, porque eu fiz a denúncia dessa invasão agressiva à escola e sem nenhum sentido naquele momento. Então nós ficamos juntos nesse período do impeachment de Dilma e todo esse período que se sucedeu eu estava muito próximo do MST nos momentos que pude e pretendo continuar junto e trabalhar nas transformações que o nosso país precisa e que o mundo precisa junto com o MST.
Como a arte pode ser uma aliada no processo de conscientização política?
Eu considero que fazer arte no nosso país é impossível que não venha com a necessidade uma consciência histórica e política nesse fazedor, nesse artista. Fazer arte no país já é um gesto político, porque precisamos atravessar muitas dificuldades. Então eu considero algo inerente ao fazer artístico, num país como o Brasil, o fato de ser um ator político. Principalmente agora, que é necessário falar, se expressar, dizer, se posicionar.
Agora vem acontecendo uma coisa interessante nos shows, porque eu não tenho falas que não sejam dentro do universo que estamos contando da viagem ao coração do sol, que é um mundo criado, um novo lugar porque a arte tem esse poder de abrir uma fenda, uma espécie de feixe e ir para outro espaço, para outro tempo. Mas mesmo nesse outro espaço e tempo o público se identifica com todos os símbolos que esse trabalho está trazendo e o público se manifesta antes mesmo da banda dizer alguma coisa. Lembro que Naná Vasconcelos chamava atenção para isso, para ação política da percussão como protagonista.
Edição: Monyse Ravenna