Um simpático velho barbudo escreveu certa vez que, ao consolidar a sociedade capitalista, a burguesia afogou na água fria do cálculo egoísta todos os valores da antiga sociedade, os substituindo por uma exploração aberta, desavergonhada e cínica. Ele escreveu também que essa forma de organizar as relações sociais trazia também formas políticas e decisórias, igualmente baseadas no egoístico cálculo de interesses. Assim, não é de se estranhar que a política eleitoral apareça tão mergulhada no pragmatismo, numa contabilidade pura e simples de votos (e também de máquinas eleitorais, de cargos e aparelhos) na qual os diferentes projetos se confundem e se apagam.
Era de se esperar que o golpe de Estado, as sucessivas derrotas sofridas pela classe trabalhadora e a perda de direitos, o assassinato de lideranças populares e a prisão do principal dirigente político das esquerdas no Brasil, sinalizassem que já não podemos seguir jogando as regras do jogo eleitoral como se favorecessem a todos por igual. Sem dúvida é necessário lembrar que política é força, é construção de força em torno de diferentes projetos de poder. Contudo, a força de cada um desses projetos nasce de lugares diversos: ao projeto popular, nascido da classe trabalhadora, não há outra alternativa senão erguer-se a partir das organizações populares. O principal patrimônio que um projeto de esquerda pode ter é a sua militância social: essa gente que anda de sol a sol dedicando as horas a um sonho de país diferente, dedicando sua vida a mudar a vida de muitos.
Dessa forma, como maior partido da esquerda brasileira e alvo principal dos inimigos do povo, o PT deveria levar em conta nessas eleições a preservação desse seu maior patrimônio: a militância petista. Não sou filiado ao PT há mais de 10 anos, mas nunca deixei de militar ombro a ombro com essa militância e percebi que não há trabalho com o povo em nosso tempo que não passe pela história desse partido. É esse o ponto de partida que me leva a declarar todo meu apoio à candidatura de Marília Arraes para o governo de Pernambuco. Não defendo Marília para derrotar o PSB de pernambuco, pois não residem aí meus inimigos centrais. Marília Arraes tem o meu apoio, e o de tanta gente, por ser a melhor candidata para derrotar os setores da classe dominante mais interessados na continuidade do golpe, que se reúnem hoje em torno de nomes como Armando Monteiro e Fernando Bezerra Coelho. E ela representa isso pela coerência de andar do lado certo das lutas, constituindo-se como elemento de coesão dos setores democráticos e populares. Se queremos Lula Livre para derrotar o golpismo no Brasil, o primeiro passo é termos uma militância coesa e confiante no seu projeto de país.
Obrigar o PT a uma aliança com o PSB de pernambuco, em nome do pragmatismo eleitoral, é desrespeitar a vontade dessa militância, dispersando essa força tão crucial na luta contra os setores mais retrógrados da sociedade pernambucana. Quem ganha fortemente com isso não é o PSB ou alguma candidatura do PT, e com certeza não será a candidatura Lula: quem ganha com o desânimo que tal aliança tende a gerar certamente são os defensores do golpe e do isolamento das esquerdas. Espero e confio que a direção do PT preserve a vontade da militância, que é seu melhor patrimônio, e a coloque a serviço da construção de força própria do povo brasileiro e pernambucano.
Edição: Monyse Ravenna