Naquele domingo, 17 de abril de 2016, o Brasil assistiu ao estranho teatro de democracia montado na Câmara Federal. Ao longo do dia mais de 500 parlamentares dedicaram seus votos às suas famílias, amigos, suas cidades e, muitos ousaram dizer, “ao povo brasileiro”. E aprovaram o processo de impeachment para destituir a presidenta eleita pelo povo. Dos 25 parlamentares da bancada de Pernambuco, 18 votaram a favor do golpe, apesar de a população pernambucana haver dado 70,25% de seus votos pela reeleição de Dilma Rousseff.
Dois anos se passaram e o povo não sentiu melhoras em sua vida, apesar das tentativas do Governo Federal e de parte da imprensa. Anunciados pelo IBGE, os números mais recentes da PNAD Contínua, do fim de maio, informam que são 13 milhões e 400 mil pessoas (ou 12,9% da população em idade ativa) buscando emprego. Isso porque não são contabilizadas as pessoas que estão desempregadas e já desistiram de buscar trabalho formal. Além do alto desemprego, o desânimo já abate parte da população.
Em comparação com o trimestre anterior, o país teve mais de 500 mil demissões no período de fevereiro a abril. E até os trabalhadores sem carteira assinada no setor privado estão perdendo o emprego, ficando de imediato sem renda, visto que não possuem garantias trabalhistas. A crise econômica tem se aprofundado após o golpe, pesando nas vidas da parcela mais pobre da população. É possível observar isso no Nordeste. Símbolo de crescimento econômico na década passada, a região regride a passos largos. Só entre 2016 e 2017 foram cerca de 800 mil novas pessoas cruzando de volta a linha da pobreza, somando em 2017 cerca de 8,1 milhão de nordestinas e nordestinos com renda mensal abaixo dos R$ 136.
Henrique Gomes, 46 anos, trabalha no ramo da metalurgia desde 1998. Hoje ele também tem a responsabilidade de conduzir o Sindicato dos Metalúrgicos de Pernambuco. O setor foi fortemente impactado pela crise econômica, mas também tem sofrido com escolhas políticas e prioridades do Governo Federal. “Só no setor naval aqui de Suape chegamos a ter 11 mil trabalhadores no Estaleiro Atlântico Sul e mais 2 mil no Vard Promar. Mas hoje, somando as duas companhias, temos menos de 5 mil trabalhadores”, lamenta Gomes.
O trabalhador relata que já foram fechadas mais de 20 empresas metalúrgicas apenas de 2016 a 2018. Ele reclama ainda das regras de produção. Ele lembra que antes era exigido que as empresas utilizassem material produzido no Brasil, estimulando o emprego no país, mas que a regra mudou. “Hoje 75% dos contratos são realizados com empresas de capital estrangeiro e apenas 25% com empresas brasileiras”, reclama.
Henrique Gomes lembra ainda dos trabalhadores deixaram suas terras para vir trabalhar em Pernambuco, ou que já eram daqui mas melhoraram de vida com os empregos de Suape. “Foram muitos homens e mulheres que atuavam na cana de açúcar, muitos que pegavam mariscos, ou que tinham carrinho de cachorro quente, fiteiro com chiclete, uma lanchonete... e saíram da informalidade, tiveram seu primeiro emprego com carteira de trabalho assinada e se tornaram grandes profissionais. Mas hoje, com todo esse desmonte, precisam voltam para suas atividades informais”, lamenta.
O Brasil também piorou no Índice de Gini, que mede a desigualdade econômica na população. Ao longo dos anos o país estava reduzindo esse abismo social e em 2013 chegou a sua menor desigualdade na história (índice de 0,495), mas em 2017 bateu os 0,567, voltando a índices de desigualdade de 15 anos atrás. Em Pernambuco o índice de desigualdade melhorou, é verdade, caindo de 0,551 (em 2016) para 0,525 (2017). Não que a vida da população tenha ganho qualidade, mas porque a parcela mais rica não está conseguindo obter a mesma renda de antes. A PNAD Contínua revela que, entre a metade mais pobres dos pernambucanos, a renda média mensal era de R$ 597 por pessoa em 2017. O rendimento médio mensal real dos domicílios caiu de R$ 1.617 (em 2016) para R$ 1.503 (2017).
Alguns outros índices também podem apontar a piora na qualidade de vida do pernambucano. Em relação aos automóveis, por exemplo, 29% dos domicílios possuíam automóvel em 2016, mas o número em 2017 já oscilou pouco mais de 1 ponto percentual, caindo para 27,8%. Se na PNAD deste ano a tendência de queda se confirmar, podemos afirmar que diante da crise os pernambucanos estão precisando abrir mão de seus veículos.
Juventude
Os jovens compõem um dos grupos sociais mais impactados nesse cenário de crise. Muitos precisam parar os estudos e trabalhar, tentando complementar a renda da família, por exemplo. Outros tantos concluem o ensino médio, o técnico ou superior e não conseguem emprego. Entre os jovens (de 15 a 29 anos) cerca de 40,5% trabalhavam em 2016 e, em apenas um ano, esse índice caiu 5 pontos percentuais (para 35,6%, em 2017). O índice de jovens que não estão estudando e nem trabalhando subiu de 29,4% (em 2016) para 32% em 2017.
Ao menos o número de estudantes no estado se manteve estável (oscilação de 0,2 pontos), mas também pode apontar para uma tendência de migração de matrículas para as escolas públicas. A PNAD afirma que a rede de ensino privada perdeu cerca de 40 mil estudantes (ou 5,9%) entre 2016 e 2017, saindo de 719 mil para 679 mil; enquanto a rede pública teve um acréscimo de aproximadamente 67 mil novos estudantes (+3,6%). O analfabetismo entre maiores de 15 anos oscilou 0,6%, subindo para 13,4% dos jovens pernambucanos.
Como o detalhamento estadual da PNAD 2018 ainda não foi publicado, não se pode afirmar que tais apontem uma tendência. Mas os dados de 2018 podem confirmar algumas tendências acima, como podem refutar outras.
Refinaria
Sinésio Pontes, trabalhador concursado da Refinaria Abreu e Lima (RNEST) desde 2008, lamenta que o cenário de desemprego ainda pode piorar, porque em abril a Petrobras anunciou a privatização de quatro refinarias no país, entre as quais está a pernambucana. “Há três cenários possíveis: a demissão; a mudança para a empresa privada sem quaisquer garantias; ou alguns de nós sermos transferidos para uma outra base, noutro estado. E sabemos, com base noutras experiências de privatizações, que o número de trabalhadores será bem menor”, reclama. Pontes, que compõe a direção do Sindicato dos Petroleiros de Pernambuco e Paraíba, se queixa ainda que a Petrobras e o governo Temer estão “colocando os trabalhadores num mar de incertezas”, por não informarem o que ocorrerá com os funcionários diante deste cenário.
O trabalhador pontua ainda que esse debate vai além da questão do emprego ou dos trabalhadores da Petrobras, porque a questão das fontes energéticas e como o Estado lida com elas diz respeito à sobernia nacional. “Entendemos o petróleo como patrimônio do povo brasileiro e, no caso dessa refinaria, é patrimônio do povo pernambucano. E essas coisas não deveriam ser entregues assim. A sociedade brasileira não quer, não apoia a privatização da Petrobras. Queremos manter a Petrobras em Pernambuco, como motor da economia e na condição de empresa pública”, avisa.
O economistra Pedro Lapa, mestre pela UFPE, recorda a importância dos investimentos da Petrobras em Pernambuco durante os governos Lula. “Todos lembramos do que significava a refinaria, o polo petroquímico e o estaleiro: um sonho de criar no estado e no Nordeste uma cadeia produtiva de petróleo e gás”, recorda o economista. “Mas hoje a petroquímica já foi transferida para uma empresa mexicana e o estaleiro está quase paralisado. O resultado disso é que Pernambuco está com um índice de desemprego na casa dos 20%, só ficando atrás do Rio de Janeiro entre os estados com maior desemprego”, diz.
Sinésio Pontes lembra ainda que na fundação da Petrobras, na década de 1950, já havia – como hoje – a dificuldade de construir a empresa como parte de um projeto estratégico brasileiro buscando hegemonia “Primeiro diziam não haver petróleo no Brasil. Depois que descobriram foi a conversa de que 'brasileiro não tem capacidade pra explorar'. Depois, já no governo FHC, enfrentamos um sucateamento contínuo, houve a quebra do monopólio estatal e só não foi privatizada porque houve uma grande reação dos trabalhadores e da sociedade”, analisa.
Na avaliação do petroleiro, o governo Lula é que teria, cinquenta anos após Getúlio Vargas, voltado a pensar a Petrobras dentro de um projeto estratégico. “A empresa estava 10 anos sem contratar ninguém. Mas a partir daí investiu-se em engenharia, novas tecnologias, plataformas. Até que descobrimos o pré-sal e desenvolvemos tecnologia para extraí-lo”, recorda. Para o sindicalista, a operação da Polícia Federal também usou meios de enfraquecer a empresa. “A Lava Jato rompeu todos os contratos da Petrobras e obrigou a arcar com as obras não-concluídas. Começou a diminuir a empresa, buscando quebrá-la”.
A avaliação é compartilhada por Henrique Gomes. “O golpe veio para entregar o patrimônio nacional ao capital estrangeiro. Foi um golpe contra a nossa soberania. A terceirização, a reforma trabalhista, as privatizações, o congelamento de gastos públicos por 20 anos... tudo veio no mesmo pacote”, lamenta o metalúrgico. O economista Pedro Lapa completa. “A Refinaria Abreu e Lima é responsável por 30% do abastecimento do diesel no Brasil. E mesmo assim esse governo quer vendê-la. E pior: vendem por um décimo do que realmente vale, como fizeram com a Petroquímica Suape (PQS), vendida por R$ 1 bilhão, mas que havia custado um investimento de R$ 10 bilhões.
Preços altos
Além dos prejuízos econômicos e para a soberania, tais posturas levam também a preços altos que prejudicam ainda mais as camadas que têm visto a renda familiar desidratar. “A política de preços altos tem do gás, da gasolina e diesel estão vinculadas ao mercado internacional. E esses produtos têm sofrido oscilações brutais internacionalmente, com o barril de petróleo variando de US$110 a US$40. Cada dia é um preço diferente. E não faz sentido o trabalhador brasileiro dependa dessas oscilações internacionais”, opina Lapa. “O gás ficou fixo de 2003 a 2014, durante três mandatos presidenciais. E isso não deu prejuízo à Petrobras. Esse preço alto de agora é uma opção do governo”, avalia o economista.
Pedro Lapa recorre a um relatório técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) para criticar a política de preços. “O Brasil pode extrair 2,6 milhões de barris de petróleo por dia. E as refinarias brasileiras têm capacidade de refinar 2,5 milhões de barris por dia. Somos praticamente autossuficientes e, portanto, podemos escolher o preço a praticar no mercado interno”, aponta o Lapa. “Mas a gestão de Pedro Parente na Petrobras [demitido na última sexta-feira, dia 1º] decidiu que as refinarias brasileiras devem funcionar com metade da capacidade, refinando apenas 1,6 milhão de barris por dia. O que significa? O Brasil passa a importar. Ele entregou o mercado para as petroleiras americanas venderem gasolina e diesel a preços altos. Ganha as petroleiras americanas, perde o Brasil”, explica.
Eleições
O petroleiro Sinésio Pontes sugere que as pessoas pesquisem sobre as posturas do deputado em que pretende votar. “Veja como tem votado lá no Congresso. Se tiver votado a favor do impeachment, reforma trabalhista, terceirização ou PEC do Congelamento de Gastos, não merece seu voto”, opina. “Se você é trabalhador, vote em quem represente os trabalhadores. Não vote em empresários. Deixe que os empresários votem nos empresários”, sugere Pontes.
O metalúrgico Henrique Gomes defende o voto pela retomada da indústria no estado. “Precisamos de deputados e senadores que defendam o desenvolvimento industrial de Pernambuco e a manutenção de empregos. Se depender dos deputados que votaram nas reformas de Temer, teremos muito desemprego ainda”. Para o metalúrgico, não dá para pensar essa eleição sem Lula. “Temos que trazer o presidente Lula de volta. Se ele não participar da eleição, terá sido uma fraude. O que está acontecendo foi orquestrado desde o início para ele não participar”, diz.
Já o economista Pedro Lapa responsabiliza a maioria dos deputados federais de Pernambuco estado pela situação do estado. “Antes de 2016 nós até poderíamos nos confundir. Mas desde a votação do impeachment os deputados pernambucanos têm feito 'profissão de fé' em votar contra o trabalhador brasileiro. E quem votou assim não pode voltar”, afirma.
Edição: Monyse Ravenna