Pernambuco

LUTA

História de resistência da Brasília Teimosa é contada em livro por moradora do bairro

A jornalista teimosense Camila Souza buscou documentar os 70 anos que separam as ocupações urbanas do momento atual

Brasil de Fato | Recife (PE) |
A autora ressalta que as conquistas do bairro foram conseguidas através muita resistência, por isso os teimosenses valorizam sua história
A autora ressalta que as conquistas do bairro foram conseguidas através muita resistência, por isso os teimosenses valorizam sua história - Vinícius Sobreira

“Daqui eu não saio, daqui ninguém me tira. Onde é que eu vou morar? Se derrubam meu barraco é de lascar. Ainda mais com quatro filhos, onde é que eu vou morar? Vamos lutar com união, Brasília é nossa e ninguém vai botar a mão”. Esses versos são fragmentos do Hino de Brasília Teimosa, adaptado por Ricardo Brindeiro e cantado pelos moradores do popular bairro da zona sul do Recife que ocuparam, a partir de finais dos anos 1940, a região do antigo Areal Novo e persistiram na luta pelo direito à moradia.

Essa história foi contada em detalhes por Cilene Camila Souza, jornalista nascida e criada em Brasília Teimosa, que apresentou como trabalho de conclusão do curso de jornalismo o livro-reportagem “Teimosa Senhora: histórias do Areal novo à Brasília Teimosa atual”, apresentando a trajetória de luta do bairro recifense.

Brasília Teimosa recebe esse nome porque a ocupação aconteceu no mesmo período em que o ex-presidente do Brasil Juscelino Kubitschek trabalhava na projeção da cidade de Brasília, atual capital brasileira. A teimosia faz alusão à resistência dos moradores, pescadores, comerciantes e donas de casa, que ocuparam essas terras e viveram em condições insalubres, resistindo dia após dia em conflito com poder público que queria desmobilizar e desocupar a região.

A obra de Camila, produzida em 2017, marca os 70 anos do bairro. O livro traz relatos desde as primeiras ocupações do Areal Novo até o momento atual, descrevendo o cotidiano da população ocupante, o papel da igreja na formação do Conselho de Moradores, a gastronomia teimosense, as aparições do bairro em obras cinematográficas e, claro, a organização popular e a busca por direitos à moradia, saúde, educação, saneamento básico, transporte público, entre outras garantias conquistadas gradualmente pela população moradora através da participação social.

Camila fala, ainda, sobre o processo de urbanização com o projeto Teimosinho, que contou com intensa mobilização na comunidade, através das igrejas, do teatro de rua, das assembleias populares e das passeatas realizadas de Brasília Teimosa à Prefeitura do Recife ao longo das décadas de 1970 e 1980. Teimosense convicta, a autora afirma que sua identificação com o bairro vem de muito tempo e faz parte da sua ancestralidade.

Para Camila, falar sobre a Brasília Teimosa é recordar sua memória afetiva, ela cresceu ouvindo as lembranças de familiares e amigos que atuaram nos processos de luta, conquista e desenvolvimento do bairro e buscou resgatar isso em seu trabalho. “Eu cresci achando que tinha esse compromisso, de ter que contar e divulgar a história de Brasília Teimosa. Eu achei que eu podia, de alguma maneira, ir incentivando as pessoas a não pararem de lutar pelo bairro através da nossa história. Eu precisava fazer esse registro, não só por mim, pela questão afetiva, mas pelo valor histórico, social, político, que o bairro possui”, conta.

Durante o processo de escrita, Camila conta que houve muitos desafios, inclusive porque alguns dos líderes bastante ativos na época não quiseram falar sobre o tema, assim como alguns políticos. No entanto, ela ressalta que recebeu bastante apoio da comunidade, que, em geral, acolheu a ideia de ter a história do bairro contada por uma das suas moradoras em um livro e se ofereceram para colaborar contando histórias, concedendo entrevistas e fornecendo documentos e fotografias. A autora ressalta Padre Jaime, o animador Ricardo Brindeiro e a irmã Aurieta, como exemplos de pessoas que dedicaram a vida àquela história.

O livro ainda não foi lançado oficialmente, mas, quem se interessar em lê-lo, pode entrar em contato com a autora pelo e-mail [email protected] que ela se compromete em disponibilizá-lo em versão digital. Camila Souza está buscando publicado pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), por se tratar de uma obra sobre a história de um bairro de Pernambuco.

Edição: Catarina de Angola