“Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrer
Não nego meu sangue, não nego meu nome
Olho para a fome, pergunto o que há?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará”.
Patativa do Assaré
Ontem (23), tivemos um longo dia de análise política para entender em que momento estamos, na tática política do instrumento de Greve de Fome, que chegou a seu 25º dia. A ideia é entender se estamos contribuindo para a mobilização social, de resistência contra o golpe, na construção de um sentimento de indignação contra todas as injustiças que o golpe está produzindo. E, qual a reação da maioria da população sobre este processo? O mais importante é entender que a população está respondendo bem ao apelo por democracia e justiça social.
Está sendo fundamental o momento de solidariedade que se está construindo ao redor da greve e em relação à prisão de Lula. A impressão, e o que tem sido demostrado nas pesquisas de opinião, é que estamos criando um novo momento político no Brasil. Uma onda Lula, em todas as regiões do Brasil, que dificilmente a burguesia vai conseguir parar até as eleições, até mesmo, se em último caso, Lula não poder ser candidato, o candidato indicado será eleito.
Na quarta-feira (22), o Movimento Sem Terra recebeu a carta de Lula, reconhecendo a importância da Marcha Nacional e nossa participação no ato de registro da sua candidatura.
“Aos companheiros e companheiras do MST. Quero agradecer de coração o grande esforço de cada um de vocês para tornar o registro de nossa candidatura um ato histórico, como foi de fato o último dia 15 de agosto. E isso não teria sido possível sem a combatividade e a consciência política do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Nós estamos juntos desde o começo, desde as primeiras ocupações, nas horas mais difíceis e nas grandes conquistas. E a cada dia admiro mais a força desse movimento, que veio para transformar a vida dos trabalhadores e transformar esse nosso Brasil num país mais justo”.
Ele está reconhecendo a importância de um conjunto de organizações políticas e movimentos sociais que passaram a ser protagonista do processo de resistência e mobilização desde o segundo turno das eleições de 2014, na luta contra o Impeachment de Dilma, na luta contra as reformas e agora na luta por Lula Livre.
A segunda parte da Carta, está mais voltada para explicitar o grande sentimento de reconhecimento, de satisfação de um líder de massas, com imensa sensibilidade humana, que justamente por isso encanta tantos brasileiros e brasileiras carentes de lideranças, que possam a cada dia respeitar e admirar cada vez mais, sem oportunismo eleitoreiro, mas com carisma e compromisso de responsabilidade.Muitos políticos de esquerda se perderam na teia da burocracia do Estado, ou no puro pragmatismo eleitoral, nas contas e projeções de votos. Neste caso, muitas vezes vale todo o tipo de aliança, do que selar compromissos de enlaces com o povo.
“Quando soube da multidão de companheiros que foi para a frente do Tribunal Eleitoral naquele dia, tive vontade de abraçar cada um que saiu de casa com sua família nessa grande jornada. Quantos quilômetros de marcha, de baixo de sol e de chuva! Quantos quilômetros pelas estradas, viajando em ônibus onde o único conforto era a esperança”. Este foi o sentimento de Lula.
Por último, Lula passa a reconhecer e valorizar, este protagonismo das ruas contra o pragmatismo partidário e eleitoral. “É nas horas mais difíceis que a gente conhece os verdadeiros amigos. Enquanto Deus me der vida, jamais vou me esquecer do que vocês fizeram pelo Brasil e pela Democracia. E tenho certeza de que a história vai registrar o exemplo de coragem e de amor ao nosso país que o MST vem demonstrando em todos os momentos dessa luta. Podem ter certeza de que vocês fortaleceram ainda mais o nosso compromisso com a transformação da vida do povo brasileiro. Esse compromisso é para sempre e nada vai impedir que a nossa luta seja vitoriosa”.
Esta forma de reconhecimento poderá ser importante, para entender que se ganharmos as eleições, ele terá que contar com as ruas e estes movimentos que estão nas ruas, como aliança para garantir a governabilidade e realizar as medidas necessárias para aplicar os compromissos assumidos com o Povo Brasileiro: revogar as medidas reformas aplicadas pelo Golpe, realizar as reformas necessárias e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte.
A cada período histórico, principalmente em função das necessidades e de acordo com as condições objetivas e subjetivas da luta de classes, podem cambiar as formas de organização, e as táticas da classe trabalhadora. Nos anos 1980, depois das lutas históricas contra a ditadura, as mobilizações pela anistia, as grandes greves dos metalúrgicos, passaram a surgir fatores e elementos novos na luta de classe como: a organização de entidades da Sociedade Civil e as pastorais sociais, como protagonistas da luta contra a ditadura, pela anistia, liberdade de presos políticos, em defesa da democracia e em 1984, na luta pela “diretas já”.
Neste processo, surgem novas formas de organização política e partidárias, rompe-se com o formato clássicos os partidos verticais e de quadros. Formatos partidários utilizados, em especial pelos partidos comunistas até o golpe militar de 1964 e suas frações partidárias durante o período de resistência e de vida clandestina. Os novos ares da democracia, faz surgir o Partido dos Trabalhadores, como um partido socialista e de classe, mas também de massas com filiações massivas de militantes. Nesse processo Surge a CUT como uma central sindical, de massas, de luta e com vocação socialista e o MST como um movimento nacional com objetivos claros e revolucionários de lutar pela terra, pela reforma agrária e por transformações sociais. Com caráter totalmente diferente dos movimentos sociais clássicos: nasce com caráter de movimento social, caráter sindical e de caráter político.
Portanto, aos poucos fomos nos identificando, não mais como movimento social, mas como organização política, que tem objetivos estratégicos e estrutura de organização. A partir daí surgiram muitos outros movimentos e organizações sociais com caráter de Movimentos, mas com objetivos estratégicos e de âmbito nacional. Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Vários movimentos de moradia, de Pescadores e Pescadoras, Quilombolas, Indígenas, Movimento das Mulheres Camponesa e mais recente o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), entre tantos outros.
O PT, a partir da possibilidade de chegar a governar do Brasil, passou a substituir a estratégia, pela tática. Em 1994 abandona a estratégia da revolução como objetivo máximo e adota como estratégia a via eleitoral, que até então tinha conteúdo tático para acumular forças, rumo a promover as mudanças radicais na sociedade. As eleições passam configurar como estratégia para eleger o presidente da República.
Neste período pós golpe jurídico, parlamentar, midiático, o formato partidário, derrotado no golpe, não deu mais conta das tarefas políticas de mobilizar e organizar e convocar a população para a resistência. Os movimentos e organizações sociais, que não tem vínculo orgânicos direto com os partidos de esquerda, passaram a serem protagonistas deste processo, que levará Lula a presidente em um novo ciclo histórico.
A nova correlação de forças nacionais e internacionais e novas condições objetivas e subjetivas, novas configurações e elaborações táticas e estratégicas, deste novo cenário político. Surgem duas novidades, neste processo da luta de classes: uma nova geração de militantes, sem vícios partidários e de disputas internas entre tendências e dispostas a conduzir a luta política para um novo estagio da luta de classes, mobilizando e organizando o povo nas suas diversas novas ferramentas de organização e participação política. E a Frente Brasil Popular como uma novidade, com pretensão de se constituir como frente de convocação e orientação política para a classe, aglutinando desde partidos políticos, centrais sindicais e movimentos e organizações sociais. Certamente o novo, para este novo momento político esta preste a surgir.
*Jaime Amorim, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em greve de fome por justiça no STF.
Edição: Monyse Ravena