Contar nossa própria história é o poder de definir quem realmente somos, e no audiovisual brasileiro quais são as condições das pessoas contarem as diversas histórias do país? Será que as telas grandes estão representando as histórias populares? A nossa conversa na entrevista dessa edição é com a realizadora audiovisual Bruna Leite.
Brasil de Fato - Realizadora audiovisual teria algo a mais do que o sentido técnico?
Bruna Leite - Sim, acho que isso é resultado da luta das mulheres na rua. O movimento de mulheres, principalmente o movimento de mulheres trabalhadoras do audiovisual que vem reivindicando seus espaços e suas produções. Elas estão na produção executiva, estão sempre dentro da grande equipe de cinema, a maioria das vezes são mulheres. Só que a figura glamouralizada é o diretor de cinema, é o cineasta, é sempre colocado naquele pedestal. Mas as mulheres estão geralmente em todas as etapas. E então o que o movimento de mulheres vem dizendo é que elas são realizadoras, que elas não só dirigem como captam som, editam. Então esse é o termo que vem sendo usado para dizer que nós somos realizadoras porque a gente concretiza não só a partir do glamour, a gente executa mesmo o cinema na prática. E para mim isso é resultado da luta das mulheres que vem desde 2016, principalmente aqui em Pernambuco, reivindicando seu espaço no cinema e por mais mulheres dentro do cinema contra o machismo, que é muito forte. Porque essas questões de hierarquia dentro do cinema, de departamentos, de funções, terminam reverberando no poder que o homem tem sobre as mulheres, então termina limitando nossos espaços. Quando a gente se afirma como realizadora, a gente se afirma nesse lugar também.
BdF - Você falou da movimentação popular e feminista no cinema buscando e conquistando espaços e representatividade. Qual análise pode ser feita sobre esse momento do cinema brasileiro aqui em Pernambuco e também no país?
Bruna - Eu acho que a gente está vivendo um momento de transição no Brasil, tanto de políticas públicas que incentivam a produção do audiovisual, quanto a maior compreensão da população do poder do audiovisual, da transformação da vida real das pessoas. Mas em contrapartida esbarra no atual cenário político que estamos vivendo. Essa atual conjuntura política está já começando a se desenhar uma perda dos direitos que a gente tem quanto a acessar edital, a verba do Estado brasileiro. A atual conjuntura política não está deixando a gente ter a certeza da garantia dos direitos que a gente já conquistou quanto cultura, quanto ter edital que fomente a produção audiovisual, quanto ter sessões de cinema descentralizadas, o acesso ao cinema, pensar a tarifa.... É um caminho que a gente vem avançando, mas a atual conjuntura política ameaça esses direitos que a gente já conquistou, principalmente aqui em Pernambuco.
BdF - Essa resistência aponta justamente para o poder da disputa de narrativas, ou seja, apesar dessas desigualdades na condição e distribuição dos recursos, é preciso continuar otimizando o próprio audiovisual como forma de defendê-lo, não é?
Bruna - Eu acho que desde atos de 2013 que ficou muito clara a disputa midiática. A disputa midiática e o golpe, como também veio a partir da mídia, fez perceber não só para os movimentos sociais, como para quem realiza cinema, o poder do cinema de ele realmente ser politizado. Ele ser realmente uma voz do povo e como isso está em disputa. Pessoalmente falando, eu fiz a Caravana Popular em Defesa da Democracia, em 2016, e o que eu percebi muito era como o audiovisual, as obras audiovisuais, elas eram utilizadas em todo assentamento que a gente chegava, em toda reunião, toda assembleia, toda plenária. Porque é uma forma de passar conhecimento muito fácil, porque a televisão está na casa das pessoas. Então acho que com isso eu vim entendendo que tanto o cinema dentro da caixinha, como fora da caixinha, é uma voz do povo. E é essa consciência que vem se firmando e pautando quem está realizando cinema também de querer ocupar outros espaços, tanto de produção, quanto de difusão. Porque eu acho que tem essa questão do fazer cinema, porque cinema na lei brasileira é tido como uma indústria e isso esbarra em várias questões para a gente, de notas, de como entrar burocraticamente na história. Como ele é uma indústria ele termina deixando fora quem não tem acesso economicamente falando, porque é caro fazer cinema. Então, quem realiza cinema geralmente é quem tem grana. A lógica desde 2013 que eu acho que é importante perceber é que você pode fazer cinema com o seu celular, que cinema não precisa estar naquele glamour do telão, da super câmera, do super ator. Que nós somos a gente mesmo e que tudo que a gente produz enquanto audiovisual pode ser encarado como cinema militante, como cinema de rua, como vários nomes que estamos dando para o cinema hoje em dia.
Edição: Catarina de Angola