A partir de 2019 Pernambuco terá, pela primeira vez, um "mandato coletivo" na Assembleia Legislativa. Isso porque no último domingo (7) mais de 39 mil pessoas foram às urnas votar nas Juntas, proposta do PSOL para um mandato feito por mulheres comuns, trabalhadoras, que não pertercem a famílias de políticos e que, unidas, podem fazer na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) um mandato mais próximo aos interesses da população, especialmente os que mais precisam.
Tudo começou inspirado pela ideia das Muitas, proposta parecida que deu certo em Belo Horizonte, em 2016. A proposta inicial era de que as cinco mulheres se lançassem candidatas separadamente. Mas aqui decidiram inovar, lançando cinco "co-candidatas" num único número. Para a Justiça Eleitoral, apenas uma detém o mandato. Mas elas garantem que o mandato será construído por todas.
Seus perfis são diversos. A comunicadora e produtora audiovisual Carol Vergolino, do Recife; a sindicalista Kátia Cunha, professora da rede estadual em Igarassu; a estudante Joelma Carla, de Surubim; a advogada e servidora pública Robeyoncé Lima, do Alto Santa Terezinha, Recife, primeira advogada trans de Pernambuco; e a trabalhadora do comércio informal Jô Cavalcanti, do Morro da Conceição, Recife. Esta última é a que "emprestou" seu CPF para a inscrição da candidatura na Justiça Eleitoral e, por isso, é reconhecida como detentora do mandato.
Trabalhadora ambulante, filha de empregada doméstica e de um feirante de Casa Amarela, Jô Cavalcanti conta que a proposta de candidatura conjunta foi levada pelas cinco às suas bases. No caso de Jô, a ideia foi debatida com o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comércio Informal (Sintraci) e com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Proposta aceita, o partido aprovou e elas foram atrás dos votos.
Explicar para o povo a ideia de um mandato coletivo foi mais fácil que o esperado. "No início achamos que seria difícil explicar essa ideia para as pessoas. Mas quando fomos conversando e as pessoas começaram a entender, concordaram é um jeito diferente de fazer política, que as coisas precisam ser feitas na coletividade e na fraternidade", conta Jô Cavalcanti. "E quando publicamos os vídeos de nossas biografias nas redes sociais acabou 'estourando'. As pessoas viram que somos pessoas reais, do campo popular, não parentes de políticos", completa.
A proposta de mandato coletivo e feminista uniu movimentos e organizações não governamentais. "A nossa avaliação era de que a nossa campanha já era vitoriosa pela construção que conseguimos fazer. Foi lindo", afirma a futura co-deputada. A boa receptividade da proposta se refletiu também nas colaborações para a campanha. "O partido disponibilizou pouco mais de R$26 mil para fazermos a campanha: adesivos, panfletos, pagar equipe, gasolina, fazer viagens para o interior. Mas a vaquinha na internet acabou arrecadando mais de R$20 mil, que foi uma boa surpresa", conta.
E na reta final da campanha puderam perceber que haviam superado as próprias expectativas e uma grata surpresa aguardava nas urnas. "Na manifestação do 'Ele Não' vimos muita gente indo à casa do partido, no Derby, buscando nossos adesivos. Um número muito grande de mulheres estava usando nosso adesivo naquela manifestação. Foi uma surpresa essa adesão", lembra Jô. Os 39 mil votos foram a maior votação que uma candidatura proporcional do PSOL já obteve em Pernambuco. "Ficamos muito felizes porque estamos criando uma coisa surpreendente. As pessoas abraçaram as Juntas de verdade. Sentimos esse abraço e foi só felicidade", comemora Cavalcanti.
A divisão de tarefas no mandato coletivo das Juntas ainda não foi definida. Por enquanto a proposta é de que Jô e Joelma atuem na mobilização, Robeyoncé seja responsável pelo jurídico do mandato, Carol pela comunicação e Kátia atue na pesquisa e estudo técnico dos projetos dentro da Alepe.
Questionada sobre a participação nas sessões ordinárias e uso do microfone, Jô avalia que elas têm o desafio de modificar o regimento da casa para que o direito ao uso do microfone não esteja restrito a apenas uma delas. "É uma candidatura da despersonalização, estamos 'hackeando' o sistema", conta Cavalcanti, que considera a "cereja do bolo" o fato de entre as Juntas estarem mulheres trabalhadoras, negras, periférias, LGBTs, rurais. "Vamos entrar com nossos corpos políticos na Alepe e eles terão que nos respeitar", afirma Jô, que durante parte da vida precisou morar em palafitas e promete seguir uma militante humilde e levar "olhar mais humano" para os espaços políticos institucionais.
Apesar do sucesso nesse que, para a maioria delas, foi o primeiro desafio eleitoral, não há muito tempo para comemorações ou descanso. "Tivemos uma vitória em Pernambuco, mas precisamos de uma vitória nacional, para que não soframos todos e todas", afirma Jô. Ela convoca: "por isso é importante que nesse 2º turno todas vençamos esse camarada que defende o estupro, a violêcia. Como campo progressista temos que estar unidas para impedir esse camarada".
Mandatos coletivos pelo Brasil
O PSOL já possui uma experiência parecida em Minas Gerais. Um grupo que se denominou Muitas reuniu homens e mulheres que lançaram 12 candidaturas individuais à Câmara de vereadores de Belho Horizonte. A campanha, no entanto, foi coletiva e unificada em torno de propostas. Duas mulheres acabaram eleitas e montaram um grande gabinete conjunto, que inclui as demais candidaturas. A experiência se repetiu este ano, mas com candidaturas a deputadas estadual e federal, elegendo uma para cada casa legislativa.
Duas das candidaturas da "Bancada Ativista", do PSOL em São Paulo, também foram eleitas para a assembleia legislativa. Mas é em Goiás, na pequena Alto Paraíso, que temos desde 2016 um mandato similar às Juntas, mas pelo partido Podemos. Foram cinco pessoas fazendo campanha conjunta para atuarem juntos na Câmara Municipal. Mas só em Pernambuco o "mandato coletivo" é formado 100% por mulheres.
Edição: Monyse Ravena