Desde a reta final do primeiro turno se intensificaram as campanhas de notícias falsas contra Fernando Haddad (PT), elevando a rejeição ao candidato e freando seu crescimento. Bancada ilegalmente por empresários aliados de Bolsonaro (PSL), a campanha de difamação por WhatsApp também fez crescer a adesão ao deputado Bolsonaro nas periferias. Muitas das notícias falsas acabaram confundindo as pessoas, que repassaram a informação nos celulares e dentro das igrejas.
Isso chamou a atenção e até assustou muitos fieis que já conheciam as posições políticas de Jair Bolsonaro, que descrevem como "contra os valores ensinados por Cristo". Um desses fieis é Dyego Carlos, de 28 anos, estudante do doutorado em Ciência da Computação. "Cristo disse 'bem aventurados são os pacificadores', enquanto o candidato disse que nada se resolve no voto, que a melhor forma de resolver as coisas é fazendo uma guerra civil, matando 30 mil. Ele é uma pessoa que não acredita na democracia", pontua Dyego, que frequenta a Igreja Batista no bairro de Coqueiral.
O jovem, que votou em Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno, lembra ainda que Bolsonaro já disse que a ditadura errou em "só torturar e não matar". "Ele já falou publicamente que é favorável à tortura. E Jesus Cristo foi um prisioneiro político, torturado e executado pelo Estado. Votar num presidente que é favorável à tortura? Isso é contra o Evangelho", alerta. Na opinião de Dyego, o candidato Bolsonaro "desperta a violência dentro das pessoas". Para ele, muitos irmãos estão sendo enganados pelo "discurso fácil" do candidato.
O pastor Wellington Cabral, de 67 anos, afirma que suas "ovelhas" estão liberadas para votar de acordo com suas consciências, mas alerta: "eu, como pastor, não aprovo em hipótese alguma as atitudes desse cidadão Bolsonaro. Ele é a antítese de cristo". Ele lamenta que muitos pastores estejam apoiando um candidato que prega a violência como forma de solucionar os problemas. "Ele é um cara violento. Cristo não pregou a violência e a morte de ninguém. Não posso aprovar uma candidatura dessa, principalmente usando o nome de Deus", reclama. Wellington avalia que o candidato pode até ser vitorioso na eleição, mas continua não sendo "uma pessoa digna de representar o País".
A assistente social Rayane Lins, de 24 anos, também pensa no mesmo sentido. "Bolsonaro tem discurso racista e violento e homofóbico, além de violento contra as mulheres. O vice dele considera que famílias sem homens, em que os filhos são criados pelas mães e avós, são famílias que fornecem jovens para o tráfico", lamenta Rayane, que no primeiro turno votou em Ciro. Para ela, os discursos do deputado ferem os Direitos Humanos. "Jesus é o nosso exemplo a seguir. E ele defendeu a humanidade, defendeu as mulheres. É nossa missão defender também as minorias e os Direitos Humanos, hoje", opina a assistente social, que comunga na Igreja Batista Vila Aliança, no bairro do IPSEP.
Wellington, que é pastor na Assembleia de Deus Ministério Resgate, no Alto Santa Isabel, Recife, avalia ainda que a violência dos discursos do candidato estão estimulando atitudes violentas em muitos de seus seguidores. O pastor também lamenta que lideranças cristãs sejam levadas pelas mentiras e estejam até estimulando o sentimento de ódio nos fieis. "Até lideranças evangélicas estão estimulando que o povo evangélico a odiar o outro candidato. Quem está apoiando ele tem que assumir a responsabilidade dessas violências que estão acontecendo", completa.
Dyego concorda com a crítica feita pelo pastor, pois considera contraditório para um cristão votar num candidato que usa o nome de Deus para pregar valores que considera tão contrários aos ensinamentos de Cristo. "Algumas lideranças estão com sede de poder e querem mudar as leis em benefício de nossa fé. Muitos de nós evangélicos esquecemos que o Estado laico foi muito benéfico para nós, pois o catolicismo era muito maior que o protestantismo e a laicidade do Estado foi o que nos permitiu crescer", lembra. "Quando crescemos como religião, esquecemos que um dia já fomos minoria. Agora muitos dos nossos líderes querem extinguir os diferentes", lamenta o estudante.
“O Diabo é o pai das mentiras”
Rayane alerta ainda para a campanha ilegal de mentiras utilizada por Bolsonaro para atacar o adversário. "Vimos as notícias: financiamento ilegal, com suspeita de caixa 2, para empresários comprarem 'pacotes' de notícias falsas contra Fernando Haddad", lembrou. "Isso não apenas é crime eleitoral, como para nós, cristãos, é pecado. A mentira destroi. E quem passa adiante a mentira está apoiando o que é ruim, está apoiando o mal", disse a assistente social.
Estudante da área de tecnologia, Dyego se mostrou preocupado com a influência dessas tecnologias nas eleições brasileiras deste ano, que foram usadas principalmente para o mal. "A candidatura de Bolsonaro foi baseada em mentiras. Por isso ele não quis ir aos debates. É importante lembrar que o pai da mentira é o Diabo. E as pessoas estão seguindo a mentira cegamente, muitos por não terem tido formação política", lamenta.
Ele cita a mentira amplamente difundida de que "se Haddad vencer, ele vai transformar o Brasil em Venezuela". "Essas mentiras relacionando os partidos de esquerda a Venezuela, a Cuba, essa mentira é contata há muito tempo. Mas a verdade é que com Bolsonaro temos maiores chances de vivermos um regime totalitário, inclusive com militares assuminto ministérios", avaliou. E fez um alerta: "a ditadura militar teve início, em 1964, logo após uma marcha dos cristãos em apoio aos militares".
Educação
Rayane fez ainda críticas à principal proposta do candidato Jair Bolsonaro (PSL) para a área da Educação. "Ele tem propostas absurdas. Uma delas é retirar da escola as coisas que Paulo Freire ensinou. Paulo Freire é um dos pensadores mais estudados do mundo, justamente por pensar a educação como forma de libertação dos pobres", reclamou.
Ela também fala da proposta de implementação da educação à distância desde o ensino básico. "Educação é direito humano, é essencial para a vida. Devemos instruir as crianças para não se desviarem. Mas essa proposta dele é de distanciar a criança da comunidade. A educação não vem só da fala do professor ou só de um vídeo para a criança assistir, mas principalmente da vida na escola, da convivência".
O pastor Wellington também critica o projeto. "Essa proposta é ridícula. Educação à distância pode existir, como já existe, mas tem que ser opção da pessoa. Isso que ele propõe vai acabar com o ensino público presencial em muitas regiões. Como é que essas crianças irão se socializar? Isolados em casa? Isso não é bom para a cabeça da criança", avalia o pastor, que também critica a proposta de cobrar mensalidades nas universidades federais. "Eu vi o filho de Bolsonaro, que também é deputado, falando que a iniciativa privada precisa assumir as universidades. Mas e o pobre que não tem como pagar, como é que fica? Se fizesse um plebiscito sobre essas coisas, o povo não iria aceitar".
As armas e a Igreja que perdeu a fé
O pastor da Assembleia também rejeita a proposta de Bolsonaro de facilitar o acesso da população a armas de fogo. "Isso é uma irresponsabilidade da parte dele. Temos órgãos capacitados para enfrentar a violência. O que vai adiantar entregar armas para quem não tem experiência?", questiona Wellington. "A violência está demais e precisa ser combatida, mas não dessa maneira. O Estado tem que agir com autoridade, mas através da polícia e dos órgãos responsáveis", pondera.
O religioso também alerta para os riscos que a ampliação do acesso a armas pode trazer. "Um jovem que sofrer bullying na escola pode pegar a arma em casa e atirar nos colegas. E nesse clima de fanatismo que está, muitos desses seguidores violentos do candidato terão acesso a armas. Isso é muito arriscado", alerta.
Dyego também mostra preocupação com as revelações recentes de Bolsonaro. O candidato disse publicamente que ensinou seus filhos a atirarem a partir dos 5 anos de idade, usando arma de fogo, não de brinquedo, dizendo ainda que acha correto fazer isso "para não termos outra geração de covardes". Ao ser alertado que sua atitude viola o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o candidato disse que o ECA "deveria ser rasgado". Dyego lamenta. "Há uma inversão dos valores cristãos. Jesus disse que das crianças é o Reino dos Céus, porque nelas há a pureza. A criança em si não tem maldade. Mas veja o que ele quer que as crianças aprendam desde novas", alerta o estudante.
Diante das propostas de Bolsonaro para a redução da violência, de que "violência se enfrenta com violência", os cristãos lamentam. "Eu prego o amor como salvação daqueles que vivem na marginalidade. Como posso pregar a palavra de Cristo no presídio, mas aqui fora dizer que 'bandido bom é bandido morto'?", quesiona o pastor Wellington.
Dyego ratifica. "Na primeira fala pública de Jesus Cristo, em Lucas 4, ele diz que foi ungido pelo Senhor para 'apregoar boas novas aos pobres e libertar cativos e oprimidos'. Jesus fala sobre visitar os presos", lembra. "Se a igreja não encarar isso como missão, então não somos seguidores da mesma missão de Jesus. É como se perdêssemos a fé em Jesus", diz o estudante. Ele completa: "quando a igreja se soma à voz de Bolsonaro, desejando a morte para os bandidos, ela é uma igreja que perde a fé, perde a esperança de que haja restauração na vida desse bandido. A igreja apostatou da fé, que significa que ela negou a fé em Cristo".
Sobre famílias cristãs tirando fotos imitando o gesto de um revólver nas mãos, Dyego lamenta. "Algumas dessas famílias realmente apostataram da fé. Mas acredito que muitas ainda creem de verdade na palavra de Cristo, só estão sendo guiadas por falsos profetas". Ele também considera que muitas desconsideram as coisas que Bolsonaro fala. "Estão pensando que é 'brincadeira' dele, mas precisamos pensar na gravidade da situação atual", diz Dyego.
Bolsonaro, Temer e o Estado
Uma das queixas do pastor Wellington Cabral é de que Bolsonaro, como deputado, votou contra os direitos das empregadas domésticas e a favor da terceirização e da "Reforma Trabalhista", que reduziu direitos dos trabalhadores. "Sou aposentado e não vou sofrer com isso. Mas tenho filhos e netos que chegarão ao mercado de trabalho", diz. "Essas leis foram boas para o patrão, por isso empresários e políticos aprovam. Mas foram péssimas para o trabalhador", completa.
Dyego analisa que o Estado é laico e seu dever é garantir direitos através de políticas públicas e que, ao garantir direitos, o Estado defende a família e se aproxima dos valores cristãos. "Quando falamos de acesso a educação, saúde, moradia, alimentação, tudo isso comunga com os valores cristãos, que prezam pela dignidade humana". Ele lembra ainda que nos quase três anos de governo Temer, suas políticas econômicas deixaram o Brasil muito próximo de voltar ao "Mapa da Fome". "É uma forma de pensar economia sem respeitar os trabalhadores. E Bolsonaro já disse que não entende de economia vai manter a condução econômica do governo Temer", lamenta Dyego.
Em contraponto, Dyego e Rayane, que votaram noutro candidato no primeiro turno, veem valores cristãos a forma de Haddad conduzir sua vida na política. "Ele foi ministro da Educação, fez o Fies chegar aos jovens pobres, criou o Prouni, ampliou o acesso às universidades", destaca Rayane. Já Dyego destaca o respeito aos diferentes. "Ele considera a dignidade humana de todas as pessoas, independente de religião, etnia, orientação sexual. Ele promove o respeito a todos".
O estudante considera que muita gente se mostra propensa a votar em Bolsonaro por não enxergar o risco que o candidato representa à democracia. Na avaliação dele isso ocorre porque nossa vida em sociedade não oferece experiências democráticas. "Em casa não temos participação nas tomadas de decisão do lar, nem na escola. Depois entramos na universidade ou vamos trabalhar e nesses locais também não participamos da tomada de decisão", lamenta Dyego. "Por não terem essa vivência em suas trajetórias de vida, terminam por não dar valor ao estado democrático de direito e não enxergam o risco que estamos correndo", alerta.
Edição: Monyse Ravenna