Após dois anos, na terça-feira (06), aconteceu no Recife o Julgamento do Caso Mário Andrade, adolescente de 14 anos assassinado no bairro do Ibura, zona sul do Recife. O acusado pela morte foi o sargento reformado da Polícia Militar Luiz Fernando Borges, condenado a 28 anos e seis meses de prisão pelos crimes de homicídio e tentativa de homicídio. Além de responder pela morte do adolescente, no momento do crime o PM também atentou contra a vida de outro menor de idade, que acompanhava Mário, mas que conseguiu escapar com vida.
Em janeiro deste ano, ficou decidido em audiência que o caso iria a júri popular. O julgamento, anteriormente marcado para 24 de setembro, seria realizado no dia do aniversário de 17 anos de Mário. No entanto, a data foi adiada duas vezes. Enquanto aguardava o julgamento, Luiz Fernando já vinha cumprindo prisão preventiva. O assassino era militar da reserva, mas foi excluído da corporação em abril de 2018.
Para Joelma Andrade, mãe de Mário, o resultado do julgamento representou não só a condenação de quem matou seu filho, mas também tirou um grande peso simbólico que ela carregava, já que conseguiu “honrar com o que disse”. “A importância é que consegui cumprir o meu papel de mãe e também mostrar que temos voz, para ser uma referência para outras mães. Não é fácil, não vou dizer que é, mas, não desisti, fui até o fim”, declara com certo alívio.
Joelma aproveitou para reafirmar seu compromisso em acompanhar outras mães de jovens vítimas de violência: “com certeza vou estar sempre aqui para ajudar as mães que precisarem, tanto para uma conversa, quanto para lutar junto com elas. A minha luta ali acabou, pelo meu filho, mas não pelos outros, que são muitos. Toda hora morre um jovem na periferia e, toda hora, tem mãe chorando a morte do seu filho”, enfatizou. A mãe de Mário também relembrou que essa condenação acontece no mesmo mês do Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro: “Nesse mês, eles puderam ver que a gente tem voz e que a gente, unido, consegue justiça”.
Sobre o caso
O assassinato do adolescente de 14 anos aconteceu em 25 de julho de 2016, quando o garoto saiu de casa em sua bicicleta para jogar futebol com colegas. No caminho de volta, acompanhado de um amigo de 13 anos, Mário envolveu-se em um pequeno acidente com uma motocicleta, que era conduzida pelo policial militar Luiz Fernando Borges. Segundo testemunhas, os meninos de bicicleta esbarraram na moto e machucaram o pé do PM. Como reação, Luiz Fernando apontou sua arma de fogo para os dois adolescentes.
Assustado, o colega que acompanhava Mário tentou fugir e foi atingido por disparos, mas fingiu-se de morto e conseguiu escapar com vida. Mário, que permaneceu caído no mesmo lugar ao receber uma coronhada, foi assassinado com três tiros. Após cometer o crime, Luiz Fernando passou uma semana foragido, entregando-se dias depois e afirmando que havia atirado contra os adolescentes para se defender de uma tentativa de assalto.
O caso ganhou repercussão na cidade e se tornou uma bandeira de luta por justiça e pela memória de Mário, levada adiante pela própria comunidade onde o menino vivia. Durante o enterro do adolescente, em 27 de julho de 2016, familiares e amigos do Ibura realizaram um ato de protesto, cobrando justiça. Em julho de 2017, quando o assassinato completou um ano, cerca de 100 pessoas saíram em caminhada pelas ruas do bairro em vigília, portando velas e entoando palavras de ordem.
Juventude negra é grupo altamente vulnerável à violência
O caso de Mário se insere em um contexto mais amplo de alta vulnerabilidade da juventude negra e periférica no Brasil. Segundo a campanha Vidas Negras, lançada pelas Nações Unidas no país, em novembro de 2017, a cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado. São aproximadamente 63 mortes ao dia e 23 mil mortes por ano, relativas a esse grupo social.
De acordo com o Atlas da Violência 2018, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Pernambuco é o quinto estado do país onde a juventude mais morre assassinada. Entre os anos 2006 e 2016, mais da metade das vítimas de homicídios eram jovens.
Edição: Monyse Ravenna