Precisamos suscitar um tempo novo para a humanidade
Nesses dias em que ainda ressoam em nossos ouvidos os votos de Feliz Ano Novo, precisamos nos colocar de acordo sobre como verdadeiramente suscitar um tempo novo para a humanidade. Foi com essa consciência que, desde dezembro, grupos da sociedade civil e pessoas responsáveis se reuniram para aprofundar algumas decisões e propostas para o nosso futuro imediato.
Por ocasião dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, diversas redes de solidariedade como a Rede Global Diálogos em Humanidade, a organização Arquipélago Cidadão dos Dias Felizes, a Rede Internacional pela Inovação Social e Ecológica, a Ágora dos/das Habitantes da Terra e a Global Social Justice se reuniram e elaboraram um documento que chamaram de “Apelo às Consciências”.
Esse apelo afirma: “Nós, cidadãs e cidadãos de diversos povos da terra, temos consciência do perigo mortal que pesa sobre o futuro de nossa humanidade comum. De fato, um duplo distúrbio climático ameaça a vida no nosso planeta. O primeiro se expressa ecologicamente pelo risco de que nossa mãe Terra se converta em um “piso de vidro”, inabitável para um número cada vez maior de pessoas. Se a temperatura da terra alcançar o limite de 4º C, isso afetaria a mais de um bilhão de pessoas. Se esse limite se exceder, será ainda pior. Esse aquecimento leva ao agravamento de acontecimentos extremos, como inundações, secas, incêndios, pragas, ciclones e tempestades. No entanto, as mudanças climáticas têm outra face: o congelamento emocional e relacional expresso na ampliação das desigualdades e no desprezo pelos mais pobres. Mais grave ainda é o fato de que o medo de baixar na escala social gera uma luta mesmo entre as vítimas, trabalhadores, sem-teto e migrantes... Alguém que sente a ameaça de perder o pouco que lhe resta, teme que o outro ainda mais pobre lhe tome o lugar.
Por sua cobiça, seu cinismo e sua desigualdade, o fundamentalismo de mercado deu origem a um duplo monstro: o fundamentalismo por identidade, que pode assumir formas religiosas, nacionalistas, xenófobas e outras. Pode se expressar tanto pelas armas, como pelas urnas. A chegada ao poder de indivíduos que representam uma ameaça não somente à democracia e aos direitos humanos, começando pelos direitos das mulheres, mas também aos equilíbrios ecológicos, é uma manifestação perigosa desse fundamentalismo. Nas Filipinas, Hungria, Estados Unidos, Itália, Brasil, Colômbia, Equador e outros países, forças social e ambientalmente injustificáveis, ameaçam a humanidade no que é mais essencial: viver em paz em um planeta habitável.
Hoje, a instrumentalização de meios de comunicação e a manipulação de informações nas campanhas eleitorais podem fazer com que, como aconteceu nos anos 30 (com a ascensão de Hitler e do Nazismo), pessoas irresponsáveis e criminosas possam chegar ao poder, amparando-se em formas aparentemente legais, aproveitando o cinismo de alguns e o medo e a covardia de outros.
Diante dessa realidade, nós nos negamos a ceder ao medo e a tolerar passivamente a expansão desse perigo mortal. Vamos organizar uma resistência criativa em todas as partes, baseada na rejeição da regressão social, da irresponsabilidade ecológica e do desprezo dos direitos humanos fundamentais.
Devemos declarar ilegítimo qualquer tipo de poder que não cumpra os três pilares essenciais da convivência da humanidade em um planeta protegido: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, os pactos sociais das Nações Unidas as convenções internacionais destinadas a assegurar a sustentabilidade do planeta e a luta contra as mudanças climáticas. Nós nos negaremos, através de todos os meios não violentos que estiverem ao nosso alcance, incluindo boicotes, desobediência civil contra a autoridade ilegítima a nos deixarmos dominar ou intimidar por esses poderes. Sempre que seja possível, criaremos territórios-refúgios para as vítimas desses poderes e oásis de vida para enfrentar os desertos de morte que fabricam esses males (regressão social, irresponsabilidade ecológica e violação dos direitos humanos).
Nós nos comprometemos em nos organizar mais e melhor nessa resistência criativa, mas também em vivermos desde já os valores econômicos, ecológicos, sociais, políticos e culturais de uma sociedade do Bem-viver. Convocamos todos os companheiros e companheiras para que, a partir dos bairros de nossas cidades e dos povoados do campo, possamos nos conectar e assim nos unir entre nós e à nossa Mãe Terra”.
Que esse apelo às consciências e aos nossos grupos organizados possa ser o convite que escutamos, vindos da humanidade e em nome do amor que as pessoas que creem chamam de Deus. Que esse apelo nos uma e nos mobilize por um mundo novo possível.
Edição: Vanessa Gonzaga