Em mais uma decisão desastrosa de transferir a demarcação das terras indígenas e quilombolas para o Ministério da Agricultura, o presidente Jair Bolsonaro fere a Constituição de 1988 que reconhece o direito dos povos às suas terras tradicionais e coloca suas vidas em risco.
Essas funções eram até então atribuídas no caso das Terras indígenas à Funai (Fundação Nacional do Índio) vinculada ao Ministério da Justiça e as Terras Quilombolas ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) vinculada à Casa Civil.
A decisão também ignora a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o instrumento internacional mais atualizado e abrangente em respeito às condições de vida e trabalho dos indígenas, aprovada no dia 19 de junho de 2002, quando o Brasil adere as diretrizes do primeiro documento internacional a tratar de temas fundamentais em relação às populações tradicionais.
De acordo com a Convenção, as terras indígenas, quilombolas e povos tradicionais devem ser concebidas como a integralidade do meio ambiente das áreas ocupadas ou usadas pelos povos indígenas e tradicionais abarcando, portanto, aspectos de natureza coletiva e de direitos econômicos, sociais e culturais além dos direitos civis.
Quem assume o Ministério da Agricultura é Teresa Cristina da Costa, que antes liderava a bancada do Agronegócio da Câmara Federal. Ou seja, ao delegar as demarcações de terras ao Ministério da Agricultura, sob o comando e a influência dos que desde sempre protagonizaram os grandes conflitos contra a demarcação das terras, o governo obviamente toma parte em favor de parte envolvida no conflito e contra o direito dos povos indígenas e quilombolas no Brasil.
A população indígena representa hoje, segundo o censo de 2010 um total de 817.963 mil pessoas, de 305 diferentes etnias e 274 idiomas. Presentes nas cinco regiões do Brasil com maior concentração nos estados do Norte (305.873) e Nordeste (208,691) com cerca de 25% da população. Pernambuco tem a segunda maior população indígena no Nordeste.
A população Quilombola só constará nos dados do IBGE em 2020. Desde a Constituinte de 1988 foram 2847 comunidades quilombolas certificadas, a maioria delas depois de 2003, quando foi editado o Decreto 4887, que traz os procedimentos de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por quilombolas.
Nos últimos 15 anos, 206 áreas quilombolas com cerca de 13 mil famílias foram tituladas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão que executa a titulação das terras já identificadas e reconhecidas, mesmo assim menos de 7% estão regularizadas no Brasil. Hoje existem 977 processos de demarcação abertos só no Nordeste e 57 processos em Pernambuco.
Esse é o retrato de um país que tenta se construir como nação, mas que tem no seu encalço uma elite que insiste em condenar parcelas da sociedade da margem, invisível. Os retrocessos começam por aqueles que parecem invisíveis, mas objetivam o completa destruição das forças que compõe um povo: os que trabalham e lutam.
Edição: Monyse Ravena