Pernambuco

RISCO

Em Pernambuco, famílias convivem com medo a poucos metros de barragem

Famílias cobram moradias prometidas pelo Governo do Estado em Palmares

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Entregue em 2017, a barragem foi batizada com o nome do ex-governador Eduardo Campos.
Entregue em 2017, a barragem foi batizada com o nome do ex-governador Eduardo Campos. - ASCOM Compesa

O crime que devastou a cidade de Brumadinho (MG) tem tirado o sono de moradores de Palmares, na Zona da Mata Sul de Pernambuco. Morando a poucos metros da barragem de Serro Azul, centenas de famílias ainda aguardam a vila prometida pelo Governo do Estado em 2011, quando iniciou a construção da barragem, pronta desde 2017. As famílias vivem há anos "ao lado" do paredão da barragem, temendo uma tragédia.

No último dia 7 de fevereiro mais de 100 moradores da área próxima à barragem foram à praça central de Palmares para protestar, cobrando a construção das casas prometidas. "Estamos cobrando do governo o que ele prometeu, que é a Agrovila. Tem terreno comprado e tudo, mas o governo não deu andamento", lamenta Carmem Miranda, moradora da rua do Chalé e atingida pela barragem de Serro Azul, a única construída após as cheias de 2010.

Naquele ano, a Zona da Mata viveu um inverno trágico, com cheias de rios que acabaram por destruir municípios. Foram 14 cidades atingidas em Pernambuco, com 20 mortes e 29 mil desabrigados, além de 15 cidades atingidas em Alagoas. Em resposta, os governos Federal e do Estado se comprometeram a construir cinco barragens de contenção das águas para impedir novas tragédias. Em Pernambuco apenas Serro Azul ficou pronta, em 2017, para conter as águas do rio Una.

Para construir a barragem que inundou parte do município, o governo firmou um acordo de compensação com a população. “Quem tem terra e trabalha nela deve ganhar terra em outro canto para o pessoal tirar seu sustento e sobreviver. Nós queremos terra por terra, casa por casa, em uma vila que deve estar afastada 500 metros do paredão, num local seguro como a lei determina”, relembrou João Faustino da Silva, em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco em 2017.

No entanto, apenas uma pequena parte das famílias foi indenizada - e ainda assim, não integralmente. "As únicas pessoas indenizadas foram as que moravam nos engenhos que ficavam na área que hoje é inundada, por trás de onde está o paredão, que era o Assentamento Serra dos Quilombos", informa Carmem. "Mas o Governo também prometeu comprar outra terra para novo assentamento e não o fez. O pessoal continua morando na cidade", diz. "O resto das famílias, todo mundo está morando no mesmo lugar", pontua.

Foto: ASCOM Compesa

 

A agrovila prometida contaria com 300 residências e serviços públicos como delegacia, posto de saúde, praça, academia da cidade, saneamento básico, asfaltamento, iluminação, além de uma réplica da casa de Hermilo Borba Filho, escritor nascido na região, que funcionaria como cinema da cidade. Mas com a obra 80% pronta, a população ainda não havia recebido as casas. Os moradores realizaram uma ocupação na usina para parar as obras. Após uma semana a PM interviu com agressividade e Faustino perdeu 50% da visão de um dos olhos.

No início de 2016, as famílias que vivem em frente a barragem foram informadas que não seriam mais indenizadas e nem retiradas da zona de risco. Segundo a Secretaria de Recursos Hídricos, a área pertence à massa falida da Usina Serro Azul, de modo que a Procuradoria Geral do Estado (PGE) opinou pela não indenização dos imóveis. Na avaliação do advogado Lenivaldo Lima, que acompanha processos de parte das famílias, o poder público está protelando. Segundo o advogado, o processo ao qual a secretaria se refere transitou em julgado para os operários na década de 1990, criando um condomínio.

Entregue em 2017, a barragem foi batizada com o nome do ex-governador Eduardo Campos. A obra custou R$ 500 milhões e tem capacidade para 303 metros cúbicos de água. Em 2018 teve início a construção da adutora de Serro Azul para levar água para 10 cidades do Agreste. Mas as centenas de famílias seguem convivendo com o medo às portas da barragem. "Queremos simplesmente sair daqui, poque estamos bem em frente ao paredão", pede Carmem.

Pernambuco tem 477 barragens reconhecidas pela Agência Nacional de Águas (ANA), mas nenhuma das barragens é de rejeitos de minério. Todas são de água. Destas barragens, 63 estão classificadas como "de alto risco". Entre elas a de Serro Azul.

Fissuras

Além dos temores comuns, uma novidade tem atormentado os vizinhos da barragem. Muitos moradores estão inseguros com as fissuras na barragem. "Somos leigos, mas vemos a água escorrendo de cima a baixo no paredão. E sabemos que se essa barragem ruir, vai arrastar tudo", diz Carmem. "Estamos pedindo que seja feita uma fiscalização permanente e, enquanto isso, abram as comportas, porque a barragem está cheia", completa Miranda, deixando evidente seu medo.

Na última terça-feira (12), uma equipe de engenheiros do Conselho Regional de Engenharia (Crea-PE) fez uma visita à barragem de Serro Azul para uma avaliação visual, sem equipamentos. Após a visita o Crea emitiu nota em que confirma as fissuras, mas nega possibilidade de um colapso. "Essas pequenas aberturas são comuns em qualquer estrutura de concreto de grande porte (...). Essas falhas não podem ser correlacionadas com sintomas de ordem estrutural", diz a nota. Os engenheiros indicam que as fissuras aparecem devido a variação térmica, a hidratação e a secagem do concreto.

Em resposta às demandas dos moradores por fiscalização, a Secretaria de Infraestrutura e Recursos Hídricos informou que monitorado a barragem com regularidade, feito visitas, mas prometeu intensificar esse acompanhamento.

Sem sirenes

A nota do Cres também faz duas ressalvas. Uma delas aponta que a barragem de Serro Azul não tem sirenes instaladas e a comunidade não possui uma rota de fuga para situações de risco, nem monitoramento ou recuperação das áreas degradadas pela barragem. O outro ponto é que as comunidades atingidas pela construção da barragem deveriam ter recebido uma capacitação para atuar em situações de emergência.

Edição: Monyse Ravenna