Leonardo Bichara é o representante brasileiro do FIDA, uma instituição ligada à Organização das Nações Unidas. Em entrevista durante o V Encontro de Agricultores e Agricultoras Experimentadores, Bichara fez um panorama da atuação do Fundo e traçou perspectivas para os próximos anos. Confira a entrevista:
Brasil de Fato: Como Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) funciona?
Leonardo Bichara: o FIDA, Fundo Internacional De Desenvolvimento Agrícola financia projetos de desenvolvimento rural em associações e cooperativas do semiárido. As nossas parcerias são sempre com os governos estaduais. No caso do Ceará, com a SDA, temos o Projeto Paulo Freire, em que fazemos um financiamento bastante significativo de 90 milhões de dólares, também contando com a contrapartida do governo do estado para beneficiar as famílias rurais com projetos produtivos, projetos de criação de galinhas, produção de mel, criação de ovinos e caprinos, artesanato e a assessoria técnica, que é muito importante. Nós temos todo um componente de desenvolvimento de capacidades, de ajudar os agricultores a se organizarem nas associações... Muitas vezes eles recebem esse recurso mas nunca foram treinados para fazer uma compra para a comunidade, fazer uma ata, fazer um shopping, mandas ofícios formalmente para as instâncias governamentais, então nosso projeto também capacita os agricultores. Esse é o papel do FIDA. Assim como no Ceará, temos em todos os outros estados do nordeste.
BdF: Considerando que o foco do Fundo é fomentar o desenvolvimento em regiões com baixos índices de IDH e com problemas como a fome e a pobreza, por que a instituição decidiu trabalhar no Semiárido?
Leonardo: O semiárido brasileiro é bem peculiar. Ele tem as características de uma região que está passando por um processo de mudanças climáticas, em que as secas estão se tornando mais frequentes, mais longas e impactando diretamente a produção do agricultor familiar. Ao mesmo tempo nós sabemos que muita da comida que tá no prato, nas nossas mesas, vem do produtor, que no caso do nordeste, a maior parte dos produtores vive no semiárido, que compõe a maior parte do nordeste brasileiro. Então o investimento no semiárido tem o propósito de tornar a produção agrícola e pecuária artesanal mais fácil para os agricultores, melhorar o acesso à água, fazer com que eles tenham uma melhor qualidade de vida no campo e evitar que eles migrem para as cidades, para a situação de subemprego, ajudar na melhoria da renda, do desenvolvimento da cultura, da educação, para que eles se fixem no campo, valorizando sua cultura e suas tradições.
BdF: Em quais outros países o FIDA tem atuação?
Leonardo: O FIDA tem projeto hoje em mais de 100 países no mundo todo. Praticamente todos os países em desenvolvimento tem um projeto do FIDA. Isso é uma evolução muito interessante, considerando que o Fundo foi criado há apenas 40 anos atrás e há dez anos não tínhamos nem escritório aqui no Brasil e hoje temos uma carteira de 500 milhões de dólares. Eu acho que isso é fruto da evolução no sentido de conciliar o combate á pobreza, a educação, geração de renda no campo, melhoria dos índices educacionais, trazer o desenvolvimento para as áreas rurais. Acho que essa preocupação ficou muito mais forte não só no Brasil, mas no mundo inteiro de uns 20 anos para cá.
BdF: O Fundo tem algum trabalho específico em setores como mulheres, juventude e comunidades tradicionais, considerando que essas parcelas da população têm ainda mais dificuldade no acesso à renda?
Leonardo: Esse é o trabalho principal do FIDA. O que a gente procura fazer é o acesso à políticas públicas para as comunidades que normalmente não triam esse acesso. Isso engloba mulheres, quilombolas, comunidades tradicionais, indígenas, fundos de pasto, pesqueiros, associações que por muitas vezes só são representadas na sociedade civil através de organizações governamentais, mas que nos governos não tem representatividade. Então essa é a chance que a gente viu de chegar aqui com uma proposta nova. No Maranhão por exemplo, que é um projeto que vamos começar, temos um recurso que vai ser usado para fomentar a produção das quebradeiras de coco do estado, que é um movimento que engloba quase 300 mil mulheres. Aí você olha para as instâncias governamentais e percebe que isso nunca foi prioridade nas políticas públicas. Temos 13 projetos em Sergipe que agora se uniram para fazer uma sistematização da gastronomia quilombola, e isso nunca aconteceu antes. Você tem toda uma cultura de tradição, que utiliza raízes para a alimentação, mas isso nunca foi transformado num livro de receita, mas nós fizemos isso e estamos divulgando isso em todos os nossos projetos no semiárido e daí por diante.
BdF: Quais as perspectivas para o FIDA para os próximos anos no Brasil, considerando as últimas declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre uma possível saída do Brasil da ONU e o fim das políticas públicas de financiamento para a agricultura familiar?
Leonardo: Obviamente existem declarações que vem de partes distintas, mas que se parar pra refletir junto com todos os atores que participam do desenvolvimento rural, é impossível frear esse tipo de desenvolvimento que vem sendo feito hoje. Isso vem do povo, vem das comunidades rurais. É uma demanda de construção de projetos que vem de baixo para cima. No FIDA, quem elabora são as próprias comunidades com o apoio de que trabalha no projeto, as empresas de ATER, as ONG’S, como aqui tem a Cáritas, CETRA, Flor do Pequi, então eles vão para as comunidades, ouvem os agricultores e elaboram o projeto em parceria. É isso que funciona. A gente tá cansado de projetos que o governo constrói a infraestrutura e depois ela fica parada porque não atendeu as demandas da comunidade, foi algo que veio de cima para baixo. E a ONU está disposta a fazer essa ponte, então nós estamos bastante seguros de que o nosso trabalho vai continuar no brasil. Estamos conversando com o Governo Federal para estabelecer essas parcerias e tenho certeza de que quando eles conhecerem melhor o trabalho que a gente está fazendo eles vão adotar uma postura mais receptiva.
*A repórter viajou a convite da Articulação Semiárido Brasileiro
Edição: Monyse Ravenna