Pernambuco

SAÚDE

“O que não cabe no quintal ela acha na mata”: conheça as mezinheiras do Cariri

No Sítio Chico Gomes o conhecimento com ervas e outras plantas é passado entre mulheres por várias gerações

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Maria Juraci mostra o café feito com semente que girassol, que segundo ela combate insônia e reduz a pressão arterial
Maria Juraci mostra o café feito com semente que girassol, que segundo ela combate insônia e reduz a pressão arterial - Vanessa Gonzaga

O Sítio Chico Gomes, é uma comunidade localizada na cidade do Crato (CE), que como muitas comunidades rurais brasileiras sempre teve muita dificuldade com o acesso à saúde. O caminho para chegar ao local é feito por uma estrada de terra sem sinalização e a distância do centro impede que os moradores e moradoras sejam atendidos nos Postos de Saúde da Família. Também por isso, as mulheres da comunidade rural cresceram aprendendo a utilidade medicinal de cada chá, extrato e sabonete que suas mães e avós faziam. Há alguns anos atrás haviam alguns agricultores que também faziam as mezinhas, mas o trabalho é predominantemente feminino, já que recai sobre as mulheres a tarefa do cuidado com os doentes.
Maria Juraci é conhecida na comunidade como dona Iraci. Ela já ajudou a curar pneumonia, febres, gripes, ferimentos, úlceras, gastrites e até ajuda a controlar hipertensão e insônia. Com nove filhos, ser mezinheira foi a forma que ela, como várias outras mães, encontrou para cuidar das várias doenças que apareciam nos filhos e nas crianças e adultos da vizinhança. “Todo o saber que eu tenho veio da minha mãe, e ela já aprendeu com os pais dela. No tempo dela não tinha médico, e quando aparecia era caro. Ela criou a gente com remédio caseiro, xarope, chazinho”, explica. Como todas as outras mezinheiras, é no seu quintal que Iraci cultiva as plantas que curam, como o manjericão, malva braba, macela, erva doce, capim santo, babosa e várias outras. O que não cabe no quintal ela acha na mata, como a aroeira e a umburana de cheiro.
Como Iraci, a mezinheira Maria da Penha, a Dona Peinha, teve uma história muito parecida. Desde criança ela via a avó cuidando dos irmãos com as mezinhas e ao longo do tempo foi crescendo e observando as receitas da avó. A confiança era tanta nos saberes populares que Peinha, que morou em Pernambuco, voltou ao Ceará para que a vó cuidasse dela no parto e nas primeiras semanas de vida dos filhos que teve. Ir para o hospital só quando era muito grave, pois todo o resto Peinha cuidava com seus xaropes. Foi cuidando da avó, que também era mezinheira, que ela foi aprendendo mais receitas e acabou herdando os saberes da família “Eu tinha na minha mente o pensamento a minha vó, a vida da minha vó em mim”.
O tempo foi passando e um outro ofício surgiu na vida de Maria de Penha, a atuação. Ana Maria, uma de suas filhas, cursou teatro na Universidade Regional do Cariri. Foi dela a iniciativa de escrever e dirigir uma peça de teatro sobre os vários saberes repassados pelas gerações através do cuidado das mezinheiras. Foi preparando a peça em 2018 que Ana percebeu que a pessoa mais adequada para o papel era sua mãe. O espetáculo é um monólogo, onde Peinha conta os vários casos de cura, as ervas que usa, e o que ela considera mais importante no trabalho: a fé no que faz. Entre uma música e outra, tocada e cantada pelo Grupo Urucongo, a peça vai se desenrolando com as histórias de vida das mezinheiras do Chico Gomes. “Através da minha filha eu atuei. Eu contava muita história pra elas, e elas achavam que era verdade”. A peça rendeu e as apresentações são frequentes. Penha finge reclamar da iniciativa, mas agora se apaixonou pela atuação. “Por causa dessas crianças que ficam me buzinando eu vou né” brinca.
*A repórter visitou a comunidade a convite da Articulação Semiárido Brasileiro

Edição: Monyse Ravenna