O grande expediente da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), nesta quinta-feira (14), foi dedicado à memória da vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes, assassinados há exatamente um ano, no Rio de Janeiro. Os discursos foram além do espectro político de esquerda no qual militava Marielle.
Carregando girassóis, símbolo utilizado por Marielle, oito das 10 deputadas mulheres se fizeram presentes na sessão que foi também em homenagem às mulheres. Além das Juntas (PSOL), estiveram na sessão Teresa Leião (PT), Dulcicleide Amorim (PT), Simone Santana (PSB), Gleide Angelo (PSB), Fabíola Cabral (PP), Roberta Arraes (PP) e Alessandra Vieira (PSDB).
Já Priscila Krause (DEM) e Clarissa Tércio (PSC) foram as ausentes - esta última, até algumas semanas atrás, tentava pleitear a presidência da Comissão de Direitos Humanos da casa. Entre os 39 deputados homens, apenas seis passaram pela sessão: Doriel Barros (PT), Isaltino Nascimento (PSB), Sivaldo Albino (PSB), Antônio Fernando (PSC) e Tony Gel (MDB), além de Eriberto Medeiros (PP).
Por uma questão burocrática o presidente da Alepe, Eriberto Medeiros (PP), abriu os trabalhos da sessão dedicada as mulheres. Ele parabenizou a atuação das presentes e deu lugar à vice-presidenta da casa, Simone Santana (PSB), que por sua vez deixou o comando da sessão com deputada delegada Gleide Ângelo (PSB), presidenta da comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e deputada com a mais alta votação da história de Pernambuco.
Já na abertura do expediente, Simone Santana (PSB) fez um discurso em que citou Eduardo Galeano, lembrou Aqualtune, princesa congolesa vendida como escrava no Recife, líder de uma fuga para Palmares e de um mocambo que ganhou seu nome, além de mãe de Ganga Zumba e avó de Zumbi. Foram lembradas ainda as heroínas de Tejucupapo, que com as armas que dispunham guerrearam e venceram os holandeses, impedindo um saque na cidade de Goiana. Maria Amélia, professora, jornalista, militante abolicionista e alfabetizadora de negros nos anos 1800.
A parlamentar lembrou ainda outras figuras femininas da história de Pernambuco, como a primeira "governadora" de Pernambuco, Brites Albuquerque, portuguesa que assumiu a capitania de Pernambuco por 30 anos com a morte do marido Duarte Coelho; e ainda Bárbara de Alencar, uma das líderes da Revolução Pernambucana; Adalgisa Cavalcanti, primeira deputada estadual de Pernambuco, que abriu caminhos para que na atual legislatura as mulheres alcançassem 20% das vagas na Alepe, chegando ao 40º mandato feminino na história da Assembleia.
Por fim, Simone Santana chegou a Maria Carolina de Jesus, primeira escritora negra brasileira, nascida neste mesmo 14 de março; e a Marielle Franco, morta no mesmo dia em que a Alepe havia criado, horas mais cedo, a Ação Formativa Mulheres na Tribuna, para estimular o envolvimento de mulheres na política. "Enquanto no Rio eliminavam uma mulher de luta, aqui criávamos um espaço de empoderamento. Porque não adianta quererem nos enterrar. Nós somos sementes", disse a deputada.
A delegada Gleide Ângelo (PSB), notória policial do estado, queixou-se que parte de seus seguidores não aceitaram bem suas homenagens a Marielle. "Vieram com aquele discurso, questionando se a vida dela valia mais que as vidas das demais vítimas diárias da violência", reclamou. "Para mim, todas as vidas têm o mesmo valor, até a dos chamados bandidos. Mas quando eu falo de Marielle, não é porque ela é mais importante, mas pelo que ela representa: ela foi eleita pelo povo, representava mulheres, negras, faveladas, lésbicas, mulheres excluídas. Matar Marielle é matar tudo o que ela representa", bradou.
Com 15 anos na Polícia Civil, a delegada disse ter entrado na política para fazer mais contra a violência que atinge as mulheres. "Se eu vim para cá é porque aqui posso trabalhar prevenção da violência contra a mulher. Se eu achasse que só a polícia resolve, eu nem estaria aqui. Precisamos de polícia, mas também de políticas públicas.
A deputada Teresa Leitão (PT) iniciou seu discurso com o "Lula Livre, Marielle Vive", aplaudida majoritariamente pelos presentes e até pelas deputadas do PP, que endossaram com gestos a crítica quanto à prisão sem provas contra Lula. Para Teresa, o grito por Lula e Marielle não é só um grito de ordem, "mas um forte grito de resistência contra o escárnio com o qual o presidente trata a vida, especialmente a das mulheres".
Sua companheira de partido Dulcicleide Amorim (PT) criticou a prisão de Lula, "que tanto fez por crianças, mulheres e que transformou uma região inteira", disse a sertaneja. Ela destacou ainda que se aquelas mulheres podem estar naquele espaço hoje, é porque muitas antes, como Marielle, lutaram e morreram na luta por direitos. "Ela era defensora e representante dos grandes grupos que sofrem exclusão", disse, associando a atuação com os ensinamentos cristãos. "Deus fez o mundo para todas as classes. Jesus nunca discriminou ninguém", disse ela, que é evangélica.
Representando as Juntas (PSOL), tribuna foi ocupada por Kátia Cunha e não por Jô Cavalcanti, representante jurídica do mandato. Um passo importante para o mandato coletivo e que foi reconhecido, respeitado e até comemorado por outras deputadas presentes. Kátia lembrou conversas que teve com Marielle, com quem atuou politicamente dentro do PSOL. "Ainda dentro do meio sindical eu estava desistindo da política, mas Marielle me disse 'não, Kátia, a política precisa de nós e você não tem o direito de desistir", conta a hoje co-deputada estadual.
Entre as 12 falas de mulheres, uma única voz masculina usou a tribuna. A convite de boa parte das mulheres que compunham a mesa, o deputado Isaltino Nascimento (PSB), líder do governo na Alepe, classificou como "duro" e "difícil" o atual momento do Brasil. Ele destacou como a proposta de reforma da previdência também atingirá as mulheres, afetando as políticas de assistência social e o SUS, que compõem a seguridade social. "Quem recebe auxílio para cuidar das crianças deficientes? Também são as mulheres", disse.
A secretária da Mulher do Governo de Pernambuco, Silvia Cordeiro, considera a morte de Marielle como parte dos valores carregados pelo grupo político que está no poder nacionalmente. "Quem matou Marielle foi o machismo, o patriarcado, a extrema direita, foi a cultura da violência. Não temos nada a comemorar, mas que unir forças para resistir". Também estiveram como convidadas a delegada do departamento de Defesa da Mulher, Julieta Japiassu; e Regina Célia, do Instituto Maria da Penha.
Convidada como representante do PSOL, Dani Portela lembrou o último pronunciamento de Marielle na Câmara do Rio. "Ela confrontava os vereadores que não respeitavam sua fala. Dizia para não interromperem a fala de uma mulher negra, mas logo ela foi silenciada. "Esse não é um caso isolado, mas um projeto de sociedade", completa. E citou o poeta Pablo Neruda. "Eles podem cortar todas as flores, mas não podem deter a primavera".
Edição: Marcos Barbosa