Em seu livro O Príncipe, Nicolau Maquiavel nos conta uma curiosa história sobre César Bórgia, filho do papa Alexandre VI, que conquistara a região da Romagna, ao norte da Itália. Para submeter a população aos interesses de seu pai e aos seus próprios, Bórgia nomeia para o governo Ramiro de Orco, conhecido por seus atos de crueldade e tirania. Em pouco tempo e através de medidas impopulares, ele submete a região aos interesses de César Bórgia, canalizando para si mesmo o ódio da população local às atitudes do governo. Percebendo que Orco já havia cumprido sua função, o próprio Bórgia nomeia um tribunal encarregado de julgá-lo e, para conquistar a confiança da população e dissociar sua imagem das crueldades cometidas pelo ministro, o exibe em praça pública, cortado em dois pedaços e com uma faca ensanguentada ao lado.
Um processo semelhante parece estar em curso em nosso país. Contudo, os interesses que tomaram de assalto o Estado brasileiro não pertencem a uma família ou elite nativa e não contam com a virtude dos Bórgias. Nosso país foi tomado pela ganância do capital financeiro e de grandes multinacionais que têm sua sede em Washington. Para realinhar o Brasil aos interesses do imperialismo norte-americano é que se interrompeu a democracia com o golpe em 2016 e que se prendeu a principal liderança popular do país afastando a possibilidade de recolocar o Estado brasileiro a serviço de seu povo. Para consolidar seu domínio sobre nossa região é que se promoveu a ascensão do setor mais atrasado da política local, uma família conhecida por defender os interesses do crime organizado e por disseminar o ódio como forma de subir na política.
O que chama a atenção é que o Estado brasileiro implementa tais políticas enquanto seu presidente é alvo de inúmeras denúncias de corrupção, lavagem de dinheiro e, caso ainda mais grave, envolvimento com o crime organizado e com o assassinato da vereadora Marielle Franco. Tudo isso é cotidianamente noticiado pela imprensa local e também pelas grandes corporações midiáticas ao redor do mundo. Ao que tudo indica, a família Bolsonaro aproxima-se a passos largos do cumprimento da tarefa que lhe foi dada. A vergonhosa manifestação pública de submissão ao Estado norte-americano que assistimos na última semana expondo ao ridículo a diplomacia brasileira pode ser paradoxalmente útil à continuidade do projeto imperialista associando o desmonte do Estado à estupidez de um único indivíduo.
Se torna cada dia mais perceptível o interesse da classe dominante local e internacional em liquidar esse incômodo e tosco aliado. Contudo, ainda não chegou o momento de expor seus restos em praça pública. Antes, Bolsonaro deve cumprir uma última infâmia contra o povo brasileiro intitulada Reforma da Previdência. Aos setores progressistas e democráticos se coloca o enorme desafio de explorar as contradições do atual governo ocupando as ruas no presente mas, ao mesmo tempo, acumulando força e organização no seio do povo para derrotar no futuro a barbárie transformada em política de Estado.
Edição: Monyse Ravenna