Na última quarta-feira (27), o vereador do Recife Ivan Moraes (Psol) participou de um bate-papo ao vivo no Programa Brasil de Fato Pernambuco, que foi ao ar às 14h na rádio Clube 720 AM. Atualmente, Ivan é vice-presidente da Comissão Permanente de Direitos Humanos e vice-presidente da Comissão Especial de Revisão no Plano Diretor do Recife. No entanto, antes mesmo de assumir seu primeiro mandato como vereador, Ivan já participava ativamente dos debates no campo do Direito à Cidade e atuou no movimento Ocupe Estelita, acompanhando a ocupação que ganhou grande visibilidade em todo o Brasil.
Em sua análise do caso envolvendo a construção de torres pelo consórcio Novo Recife na área referente ao cais José Estelita, Ivan aponta falhas que vão desde o leilão de venda do terreno, acontecido em 2008: “Era um terreno federal que acabou sendo leiloado em um processo cheio de irregularidades. Isso quem está dizendo não sou eu, quem diz é a Polícia Federal. A delegada Andrea Pinho encerrou um inquérito, que foi entregue à Justiça Federal e aguarda julgamento. Para a gente ter uma ideia, esse é um terreno que foi arrematado no leilão por um lance mínimo. Por lei, o leilão precisaria ser anunciado com 30 dias de antecedência, mas foram apenas 13. Também não foi amplamente divulgado, o que fez com que apenas um concorrente participasse”, explica.
Tendo em vista que o cais José Estelita está localizado à beira-mar, em uma área privilegiada da cidade, o vereador também questionou o valor de R$55 milhões pago pela empresa pelos 100mil m² que compõem o terreno, que estaria bem abaixo do padrão cobrado no Recife. “O metro quadrado para a empresa que comprou o terreno, o consórcio Novo Recife, saiu por pouco mais de R$500. Para você ter uma ideia, em qualquer bairro do Recife, hoje, a média de preço por metro quadrado fica entre R$5 mil e R$6 mil. Ali, com certeza seria uma área mais cara pela localização privilegiada daquele terreno”, reforça.
Para Ivan Moraes, a forma como foi conduzida a venda do cais José Estelita é um exemplo claro de corrupção: “É importante a gente falar essa palavra: corrupção. Corrupção é quando um ente público e um ente privado entram em conluio para o ganho de um deles, e o outro acaba lucrando também. Foi isso o que aconteceu em 2008. Em 2012, iniciou-se a discussão sobre a obra por parte da empresa e a gente teve notícia disso já no ano seguinte, quando esse debate chegou à Câmara Municipal”, relembra.
Ivan conta que, ainda atuando como jornalista, foi cobrir a audiência pública e acabou se envolvendo com o movimento Ocupe Estelita, não como organizador, mas enquanto participante na base. Desde então, “já se tem notícia de pelo menos cinco processos judiciais sobre esse terreno. Houve um início de obra em 2014, centenas de pessoas ocuparam o terreno, acamparam lá durante dois meses. Depois disso, houve um embargo do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), por isso a obra ficou paralisada durante tantos anos”. No entanto, o embargo do Iphan foi derrubado recentemente e foi quando a prefeitura acabou concedendo, nesta última semana, o alvará de demolição para dois dos armazéns do cais José Estelita.
Novo Projeto
Recentemente, um novo projeto para a área do cais foi apresentado pela prefeitura junto ao consórcio Novo Recife. Segundo Ivan, foi alegado que essa reformulação havia incorporado, inclusive, sugestões do movimento de ocupação. Para o vereador, o projeto apresentado é, de fato, diferente dos antecessores e, ainda que não seja ideal, é melhor que o anterior. Para ele, esse mérito é da resistência popular, que participou das decisões públicas e forçou a prefeitura e as empresas a concederem mitigações. “Mas, por enquanto, mesmo essas mitigações, parecem promessas de político. Porque os documentos que saem da empresa e da prefeitura dizem, por exemplo, que ‘terá habitação popular’. Mas, não dizem quem vai fazer, nem dizem quando, ou quantas unidades. Essas perguntas não têm respostas”, cobra o vereador.
Outra contradição que Ivan Moraes segue apontando é que parte dos apartamentos já estariam a venda, mesmo sem haver, sequer, qualquer autorização para construção naquela área. “Nunca houve autorização para se construir ali. A autorização que a construtora recebeu nessa última semana foi para demolir dois armazéns”, explica. Ele aproveita, também, para lembrar que nada está dado como certo ainda no que se refere ao destino no terreno, nem mesmo para a prefeitura ou para os construtores. “A gente não sabe até que ponto o movimento Ocupe Estelita vai interferir nesse processo, tanto pelas vias legais, quanto por vias de ação direta, porque são pessoas que estão muito interessadas em debater e defender o Direito à Cidade. Ninguém tem como garantir quando essas licenças serão disponíveis e nem qual o prazo para serem entregues”, reforça.
Déficit habitacional no Recife
Na Região Metropolitana do Recife, existe um déficit habitacional de 130 mil unidades domiciliares, de acordo com a Fundação João Pinheiro. Segundo a ONG Habitat, em Recife, 280 mil pessoas sofrem com a falta de moradia adequada. Nesse sentido, Ivan apresenta possibilidades para que a área referente ao cais José Estelita dê conta de atender, sobretudo, a essas questões complexas que envolvem o Direito à Cidade, como moradia e lazer: “Os movimentos de luta pela moradia estão fazendo seu trabalho. Ocupações são causadas pelo desespero de pessoas que não conseguem pagar o aluguel. Ali dá para fazer muita coisa. É um terreno gigantesco. Existe uma mentira que se conta muito que o movimento Ocupe Estelita quer aquilo abandonado. Nunca foi objetivo do movimento deixar aquela área abandonada como ela está. As pessoas querem que aquele terreno, que um dia foi público, que foi leiloado de forma fraudulenta, sirva à população” esclarece.
O vereador defende que, por exemplo, naquela zona poderiam ser desenvolvidos concomitantemente grandes projetos de habitação, lazer, cultura e de equipamentos esportivos. “Existem universidades que já chegaram a fazer protótipos e projetos, que poderia ser feito pela própria iniciativa privada. Ou, a própria prefeitura, junto com o governo estadual, poderia desapropriar o terreno, trazer o terreno de volta para o patrimônio público e, de forma pública, se poderia tocar o projeto em consignação com alguma organização social”.
Ivan conclui desconstruindo a ideia de que a única forma de gerar emprego e renda para a população é levando adiante um projeto elitista e de segregação da cidade, conforme era planejado no início: “A construção de prédios garante empregos temporários, é verdade, mas a construção de qualquer coisa garante empregos temporários. Um grande projeto de habitação popular garante empregos temporários e pode, inclusive, garantir moradia para as pessoas que trabalham de forma temporária, construindo suas próprias casas. Não é verdade que a única forma de garantir empregos temporários para as pessoas naquele terreno é construindo grandes torres nas quais elas não irão morar”.
Edição: Monyse Ravenna