Pernambuco

Golpe Militar

Feito de ferro e de flor: história de Gregório Bezerra marcou resistência à Ditadura

Pernambucano e camponês, legado de Gregório ainda inspira lutas pelos direitos dos trabalhadores e por Reforma Agrária

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Gregório Bezerra foi importante político pernambucano
Gregório Bezerra foi importante político pernambucano - Fundaj

Após 55 anos, relembrar o dia 1º de abril de 1964 é recapitular a história de um período marcado por violações de direitos e perseguições políticas, mas também de recordar a resistência de homens e mulheres que deram a vida por um compromisso em defesa da democracia e do povo brasileiro. Exemplo disso é a trajetória de Gregório Bezerra, militante e político pernambucano. 

Nascido camponês, como tantos outros de sua época, começou a trabalhar aos oito anos de idade, sem direito à educação básica. Com sua entrada na política, esteve ao lado dos movimentos revolucionários no Brasil. Constantemente perseguido pelos regimes políticos, passou 23 anos preso, 10 anos exilado e viveu 15 anos de clandestinidade. No Recife, torturado em praça pública pelos militares. Alfabetizado aos 25 anos, Gregório escreveu a obra “Memórias”, registro pessoal de uma vida dedicada à luta pelos direitos dos trabalhadores.

Infância e vida no campo

Em 1900, uma grande seca deixou milhares de famílias pernambucanas sem comida e água para beber. Foi no dia 13 de março deste ano, que nasceu Gregório Bezerra, no sítio Mocós, no município Panelas de Miranda (PE). Filho de família camponesa, Gregório conheceu a fome ainda no ventre da mãe. Assim como centenas de retirantes, seus pais percorriam as estradas da caatinga em busca de trabalho para lutar contra as condições de vida miserável.

Com as dificuldades que a família passava na época, teve que trabalhar desde a infância na agricultura. Aos nove anos, já tinha perdido pai e mãe. Nessa idade, migrou para o Recife, sob a promessa de que teria oportunidades de estudo oferecidas por uma família de fazendeiros, que nunca se cumpriu. Cresceu sem ser alfabetizado porque nunca teve a oportunidade de freqüentar uma escola. 

Início da vida política

Na cidade grande, viveu como sem teto. Para se sustentar, circulou por diversos empregos. Começou a se interessar por política quando trabalhou como jornaleiro, época em que seus colegas de profissão liam para ele o conteúdo dos periódicos que distribuía. Em 1917, foi preso pela primeira vez, condenado a sete anos de prisão por participar de uma passeata no Recife por melhores salários e em solidariedade ao movimento bolchevique na União Soviética. 

Na Casa de Detenção do Recife, conhece o cangaceiro Antônio Silvino, de quem se torna amigo. Em 1922, é novamente julgado e liberto. Neste mesmo ano, apresentou-se ao Exército no Recife para prestar serviço militar, porque precisava do certificado para conseguir trabalho, sendo posteriormente transferido para o Rio de Janeiro. Aos 25 anos, decide se alfabetizar para fazer o curso de Sargento de Infantaria, alcançando seu objetivo. Em seguida, pede transferência para a Sétima Região Militar, no Recife. 

Filia-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1930 e, cinco anos depois, se torna um dos líderes do movimento armado Aliança Nacional Libertadora (ANL), que funcionava na clandestinidade. Bezerra ficou encarregado de participar de uma insurreição militar no Recife, em uma tentativa de implantar o regime comunista no Brasil. Com a derrota do movimento, foi preso e torturado. Fica três anos em cárcere no Recife, até que é divulgada sua condenação de quase 28 anos de prisão pelo Tribunal de Segurança Nacional. 

Enquanto cumpria sua pena, foi transferido diversas vezes, indo parar no presídio Frei Caneca, onde compartilhou cela com Luiz Carlos Prestes. É anistiado em 1945, ano em que também é candidato a deputado federal pelo PCB, conseguindo ser eleito. Seu mandato dura pouco, porque o partido volta à ilegalidade em 1948. Logo em seguida, é preso sob acusação de ter incendiado um quartel em João Pessoa, ficando dois anos na prisão, mas sendo absolvido por falta de provas.

Comprometido com a luta pela reforma agrária, Gregório Bezerra passa a percorrer as regiões brasileiras com a missão de organizar sindicatos de trabalhadores rurais. Em 1963, contribui com a organização de uma greve realizada por 200 mil trabalhadores zona canavieira pernambucana.

Anos de chumbo

 (Latuff)

No Golpe Militar, em 1º de abril de 1964, com a deposição e prisão do governador Miguel Arraes, Bezerra tentar articular uma resistência camponesa. É preso no interior do estado, sendo conduzido à capital, onde sofre tortura em praça pública, arrastado nas ruas do bairro de Casa Forte com uma corda amarrada ao pescoço. Na prisão, divide cela com o advogado e jornalista Paulo Cavalcanti, que lhe incentiva a começar a escrever suas memórias. 

Em 1969, militantes que faziam oposição à Ditadura Militar sequestram o embaixador norte-americano no Brasil Charles Burke Elbrick. Em troca da liberdade do embaixador, os guerrilheiros exigem a libertação de 15 presos políticos. Dentre eles, estava Gregório Bezerra. Após ser solto, Gregório é exilado do país, vivendo 10 anos na União Soviética. Temendo que suas memórias em formas de manuscritos tivessem sido confiscadas pela Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), volta a reescrever sua história, dando origem aos dois volumes da obra “Memórias”.

Retorna ao Brasil após ser anistiados pela lei promulgada em 1979, no governo do presidente militar João Baptista Figueiredo, que reverteu punições aos cidadãos brasileiros considerados criminosos políticos pelo regime militar. Em 1982, se candidata a deputado federal, dessa vez pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) de Pernambuco, mas não é eleito. 

Morte e legado

Gregório Bezerra faleceu em São Paulo, em 22 de outubro de 1983. Seu corpo foi velado por milhares de pessoas na Assembléia Legislativa de Pernambuco (Alepe). A história de Gregório inspirou o poema “História de um Valente”, de Ferreira Gullar, além de canções como “E agora, Gregório?”, de Leonardo Bursztyn (ex-guitarrista da banda Móveis Coloniais de Acaju) e “Século de Ferro e Flor”, da banda de rock Subversivos e baseou personagens de obras da teledramaturgia brasileira. 

Além da arte, o legado de Gregório Bezerra também se faz presente na política. Para Roberto Arrais, presidente do PCB Pernambuco, Gregório é um dos maiores exemplos de bravura, militância e compromisso com a classe trabalhadora, porque colocou sua vida em serviço da causa dos trabalhadores: “Ele foi torturado publicamente nas ruas de Recife. Resistiu, enfrentou e, inclusive, em todos os depoimentos ele confrontou o golpe. Ele denunciou o golpe dizendo que tinha sido para retirar os direitos da classe trabalhadora e impedir o avanço da classe trabalhadora com relação às reformas e para defender os interesses das multinacionais. Então, Gregório é um exemplo para as gerações atuais e para as futuras gerações, um verdadeiro herói para o povo brasileiro”.

Também de acordo com Jaime Amorim, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a história de Gregório Bezerra foi muito importante na luta pela Reforma Agrária em Pernambuco, assim como em todo o Brasil. “Era um homem teoricamente conhecedor das coisas, um estrategista e um grande militante, acima de tudo. Sempre consideramos isso como mística da nossa luta. Essa herança de uma liderança nata, importante, que foi Gregório Bezerra”, afirma. 

Segundo Jaime, Gregório é homenageado em um assentamento do movimento em Vicência e também dá nome à Universidade Popular Gregório Bezerra, que o MST está construindo para funcionar no Armazém do Campo, no Centro do Recife. “Como um homem de ferro e de flor, a pessoa que era na hora certa o cara necessário, estava presente sempre, pronto para enfrentar e resistir contra a ditadura. Mas, ao mesmo tempo, era uma pessoa sensível, amiga, um professor, isso deve ser seguido de exemplo como pedagogia para cada dirigente, para cada militante do Movimento Sem Terra. Orgulha-nos muito poder fazer isso e homenagear Gregório Bezerra para nós é homenagear todo esse processo mais recente da história da luta pela terra em Pernambuco”, conclui.

Edição: Monyse Ravena