Dia 7 de Abril é o dia do jornalista e também o dia em que Luiz Inácio Lula da Silva foi preso injustamente, em São Paulo, e depois levado para Curitiba. E o que essas duas coisas têm em comum? Eu. Jornalista de formação e repórter do Brasil de Fato Pernambuco, fui colocada na cobertura de um dos atos da Jornada Nacional por Lula Livre, na cidade natal do ex-metalúrgico, em Caetés, no agreste meridional de Pernambuco.
Desde que recebi a notícia de que iria visitar a casa onde Lula nasceu que fiquei pensando como e por que Lula mexe tanto comigo. Não é difícil entender. É coisa breve, eu prometo. Nasci em uma família comum, no subúrbio de Olinda, cidade famosa do carnaval pernambucano. Meus pais, até meus 16 anos, tinham somente o ensino médio: minha mãe teleatendente de um hospital público e outro particular, e meu pai sindicalista, do Sindicato dos Bancários de Pernambuco. Tudo aparentemente normal, sobretudo para uma família de gente branca e pobre. Depois de mim, meus pais tiveram mais dois filhos, o que apertou um pouco mais as contas da família.
Me lembro muito bem que a vida não era fácil. Várias vezes meu pai foi chamado na escola tradicional recifense para negociar os débitos da parte que lhe cabia, já que fui bolsista em 50% das mensalidades. Mas nunca foi fácil conseguir bancar educação nesse país. Então, cheguei ao ensino médio e fui para escola pública. Completei o ensino médio e ganhei uma bolsa integral no segundo melhor curso de jornalismo de Pernambuco com a minha média no ENEM, minha renda familiar e a minha conclusão do ensino médio em escola pública. Fui aluna pelo PROUNI. Minha mãe nessa época já era formada em Gestão de Pessoas, também pelo programa, assim como minhas duas tias, uma turismóloga e a outra fonoaudióloga. Todas prounistas.
E o que isso tem a ver com esse primeiro ano de Lula preso? Tudo. Para mim sempre foi muito claro que o aprisionamento de Lula era fúria dos que sempre tiveram acesso ao que minha família e a de tantos outros brasileiros não tinham até Lula chegar ao poder. No último dia 7 de abril, materializei todo esse percurso e também o da maioria das brasileiras e dos brasileiros conversando com seu Antônio Ferreira, primo de Lula. Me contando sobre o sentimento que tem sobre essa prisão, ele me disse: "é uma injustiça fazer uma coisa dessa com um homem como o Lula, que só fez o bem na vida da gente". E é.
Perguntei a seu Antônio sobre como era a vida em Caetés, quando Lula vivia por lá - ele morou até os 7 anos de idade, entre os anos de 1945 até 1952. Ele me respondeu: "a gente não tinha o que comer e o que vestir. Quando ele voltou, já sendo presidente, a gente tinha carro, comida e dignidade, moça".
Depois de mais conversas e risadas, o primo legítimo do ex-presidente preso em Curitiba começou a me contar o quanto ele era tímido com entrevistas e microfones, em 2002, quando Lula se elegeu, e como agora ele já fica mais tranquilo; só não gosta de falar em atos públicos e palanques. "Quando viajamos daqui pra Brasília, numa caravana com mais de 30 parentes pra ver Lula na posse, quando a gente chegou lá me perguntaram o que eu estava sentindo e eu disse: "homem se milagre existir o milagre é isso aqui... uma pessoa sair do buraco que a gente saiu pra virar presidente, só sendo coisa que a gente não acredita", conta.
Nesse momento pensei: caramba, quantos percursos foram percorridos de formas diferentes depois de Lula. Ainda no papo consegui dizer rapidamente que Lula foi o primeiro de muitos milagres Brasil afora, e que eu, naquele espaço, me sentia um pouco Lula: ser jornalista e estar ali entrevistando ele ao vivo para a rádio Brasil de Fato em um momento histórico para o país. Mas isso não tem nada de milagre, tem de gente que olha e que fez pela gente.
O ato em Caetés começou em frente à Escola Severino Girino com um café da manhã para protestar contra a volta da fome. Foi também uma oportunidade para partilhar comida e os motivos para estar juntos.
O ato prometia terminar de forma forte e mística na réplica da casa que Lula nasceu. Era o momento mais esperado, por mim, por seu Antônio (que ia receber a multidão bem dizer na porta de casa) e também de dona Biliu, que encontrei encostada em uma árvore segurando uma bandeira com o rosto de Lula e escrito 'Lula Livre'. Me aproximei e perguntei o nome dela, o que foi o suficiente para conversarmos bastante. E ela tinha sede para me contar que Lula mudou a vida dela. Queria expressar que o que pudesse fazer pra ele voltar a ser feliz ela vai fazer.
Dona Biliu tem 74 anos, é agricultora aposentada e mora na cidade de São João, a 35 km de Caetés. Convidou sua vizinha que tem carro para acompanhar o ato na cidade do "melhor presidente da minha vida e também do Brasil", como ela mesma definia. Começou a me contar que Lula estava passando por isso porque era pobre, porque "se ele tivesse nascido em berço de ouro não estava passando por isso não. Só quem nasceu pra sofrer nesse país foi a gente pobre. Os que nasceram em berço de ouro são os que têm ódio de Lula. A gente que viu melhorar com ele quer ele aqui, andando com a gente", me contou.
Logo depois caminhamos 2km da entrada da cidade para o sítio onde Lula nasceu. Estrada de barro marcada pelos pneus de motos e pelas patas dos cavalos que devem trafegar a todo momento por ali. Vários vaqueiros e vaqueiras montadas em seus cavalos seguiam na frente e cerca 500 pessoas seguiram a pé, com suas bandeiras. A multidão estava sendo entoada pela música que dizia "Lula, nunca vamos te abandonar" e também os gritos de Lula Livre.
Eu, depois de uma manhã com tanta troca e reconhecimento de si, só conseguia pensar que ia conseguir ver e estar no lugar que deu vida ao presidente que mudou o percurso desse país. Chegamos na casa de taipa e precária que Lula passou seus primeiros momentos. Nos reunimos na frente para desejar energia ao presidente que estava a quase três mil quilômetros dali, num quase uníssono “boa tarde presidente Lula”, já que passávamos de meio dia.
Foto: Rani de Mendonça
Depois de compartilhar a vontade de que aquela energia presente no chão que pulsou a vida de Lula chegasse lá em Curitiba, as pessoas formaram uma roda em torno da casa, como um abraço pernambucano de solidariedade à família e também à história que aquela casa representa. Nesse momento, um menino bastante curioso, encostado em um dos buracos pelo qual dava para ver o interior da casa, me chamou atenção.
Após ter tirado algumas fotos da cena me aproximei dele:
- "Olá, tudo bem, como é seu nome?"
- “Igor”
- "Igor, quantos anos você tem?"
- "Seis."
- "O que você está vendo ai?"
- "Eu estava tentando ver como era aqui dentro. Mas não tem nada."
O pai de Igor se aproxima. E o menino o questiona: “Papai, era uma família que vivia aqui? nesse lugar que não tem nada?”
Eu nem prestei muita atenção na resposta do pai; já estava tomada por uma reflexão de que Lula, na idade do Igor, morava ali, sem água, com pouca comida e sem acesso aos seus direitos.
Muitas famílias também vivem na mesma condição e muitas tantas descobriram que é possível ter comida na mesa, que é possível ter acesso à educação, a emprego e também a tudo que antes não lhe pertencia. É por isso que prenderam o Lula.
E eu só consegui estar em Caetés, com essa concepção de tudo ao meu redor, porque tive, no meu breve caminho de vida, políticas públicas que até hoje rendem boas histórias pra contar.
Edição: Monyse Ravenna