O presidente Jair Bolsonaro (PSL), que completa 100 dias de governo nesta quarta-feira (10), ainda não pisou no Nordeste como presidente da República. Existe a possibilidade de vir à região nos próximos dias para anunciar a criação da 13ª mensalidade do programa Bolsa Família, uma das suas promessas de campanha. No entanto, o histórico de Bolsonaro é de críticas ao programa e aos beneficiários nordestinos.
Especula-se que o anúncio seja uma forma de melhorar o diálogo com os deputados nordestinos da base do governo, que estariam se queixando, já que precisam lidar com a alta rejeição a Bolsonaro na região, somada às cobranças do eleitorado por um posicionamento contrário à reforma da Previdência.
A informação da vinda de Bolsonaro foi dada pela rádio Jovem Pan, veículo de mídia que tem relação próxima com o mandatário, mas ainda não foi confirmada pela Presidência da República. A nota da emissora não especifica data ou cidade onde Bolsonaro passaria.
Após 100 dias de governo, com viagens por Suíça, Estados Unidos, Chile e Israel, o presidente Jair Bolsonaro está cogitando vir ao Nordeste. A região foi a única em que ele foi derrotado na eleição de outubro, quando o ex-ministro da Educação Fernando Haddad (PT) obteve 20,3 milhões de votos, mais que o dobro dos 8,8 milhões alcançados por Bolsonaro no Nordeste.
A região, historicamente castigada pelo esquecimento do governo federal, viveu mudanças a partir de 2003. Os governos Lula e Dilma (PT) desenvolveram programas voltados para a convivência com o semiárido, de valorização da agricultura familiar, priorizaram a instalação de polos industriais no Nordeste e, claro, o inegável impacto do Bolsa Família, que tem quase 7 milhões de beneficiários na região.
O recurso para a mensalidade extra do programa já estava reservado no orçamento assinado pelo ex-presidente Michel Temer, ainda em 2018, valendo este ano. Bolsonaro poderia anunciar o 13º quando quisesse, mas está escolhendo o melhor momento político para fazê-lo.
A mensalidade extra do benefício foi uma promessa de campanha, mas ao longo de sua trajetória política Bolsonaro sempre se colocou como um opositor do Bolsa Família. Ainda como deputado federal, em 2012, chegou a dizer que o programa estaria fazendo nordestinos deixarem de trabalhar para viver da bolsa, que paga em média R$180 por família beneficiária no Nordeste. “O Bolsa Família é uma mentira. Você não consegue uma pessoa no Nordeste para trabalhar na sua casa, porque se for trabalhar ela perde o Bolsa Família”, afirmou o hoje presidente.
Ainda no mês de março deste ano, já como presidente, em transmissão ao vivo no Facebook Bolsonaro citou um estudo do Ministério da Cidadania que aponta uma defasagem no desenvolvimento das crianças associado à condição de vulnerabilidade social. Mas Bolsonaro interpretou esse subdesenvolvimento como consequência de uma suposta “acomodação” causada pelo Bolsa Família. Em 2011 ele já fazia críticas na linha de que o programa faz pobres não quererem trabalhar. “Eu não admito o Bolsa Família como proposta permanente de ajudar o pobre. Tem gente que está há nove anos no Bolsa Família e não quer ser empregado”, atacou.
Na campanha eleitoral, em 2018, relacionou a crise econômica ao Bolsa Família e prometeu cortes. “O PT quebrou o Brasil. Nosso orçamento está quase todo comprometido com despesas obrigatórias. (...) Nós acreditamos que aproximadamente um terço são benefícios que foram dados sem qualquer critério. É gente que não precisa receber isso aí”, acusou. A promessa é de continuação do que fez o governo Michel Temer (MDB), que cortou benefícios de mais de cinco milhões de famílias.
Antes, em 2010, Bolsonaro alegou que o Bolsa Família era compra de votos por parte do Partido dos Trabalhadores (PT). Apesar de não terem qualquer embasamento científico ou em pesquisas, as frases relacionando a suposta “acomodação” dos pobres e as seguidas eleições do PT fizeram sucesso entre parte do eleitorado. “O Bolsa Família nada mais é do que um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no poder”, disse certa vez na Câmara dos Deputados, em 2011. E ainda: “alguém tem alguma dúvida que programas assistencialistas como o Bolsa Família acostumam o homem à ociosidade?”, insinuou.
Rejeição
O anúncio do 13º do Bolsa Família também pode ser visto como uma tentativa de reduzir sua rejeição: 39% da população do Nordeste considera seu governo como “ruim ou péssimo” nesses três primeiros meses, segundo pesquisa do instituto Datafolha divulgado no último domingo (7). O índice é de 30% no Sudeste e 22% no Sul e no Norte e Centro-Oeste. Apenas 24% dos nordestinos consideram o início do governo como “bom ou ótimo”. O Nordeste é a região com maior rejeição e menor aprovação a Bolsonaro.
Considerando os 100 primeiros dias de mandato de todos presidentes eleitos pelo voto popular, Bolsonaro tem a maior rejeição do país desde a redemocratização: 30% dos brasileiros já consideram seu governo "ruim ou péssimo". Em 1990, após os 100 primeiros dias de governo, Fernando Collor era reprovado por 19%. Fernando Henrique Cardoso, em 1995, era rejeitado por 16%; enquanto Lula tinha 10% de rejeição em 2003 e Dilma apenas 7% de rejeição em 2011. O comparativo não considera os períodos de Itamar Franco, que sucedeu Collor; e nem de Michel Temer, que assumiu após a derrubada de Dilma, pois estes não foram eleitos presidentes através do voto.
Entre as mulheres, 33% avaliam o governo Bolsonaro como "ruim ou péssimo", contra 28% de aprovação - enquanto 26% dos homens rejeitam o governo e 38% consideram ótimo ou bom. Entre as famílias com renda familiar de até dois salários mínimos, apenas 26% aprovam o governo, que por outro lado é considerado "bom ou ótimo" para 41% das famílias com renda acima de 10 salários mínimos. As pessoas de pele branca são as que mais aprovam o governo (39%) e as de pele preta ou parda são as que mais desaprovam (29%). O grupo no qual a aprovação de Bolsonaro se mostra mais consistente é a das pessoas que se identificam como de religião evangélica (42% consideram o governo "bom ou ótimo").
Edição: Monyse Ravenna