Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a quantidade de agrotóxicos ingerida no Brasil é tão alta que o país está na liderança do consumo mundial desde 2008. Enquanto nos últimos 10 anos o mercado mundial desse setor cresceu 93%, o que já é excessivo, no Brasil, esse crescimento foi de 190%, de acordo com dados divulgados também pela Anvisa. O Dossiê Abrasco (da Associação Brasileira de Saúde Coletiva) é um alerta sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde: 70% dos alimentos in natura consumidos no país estão contaminados por agrotóxicos.
O governo brasileiro, ao invés de estabelecer rigoroso controle sobre o uso dos pesticidas, faz o contrário: não é só leniente, como, no afã de estimular o agronegócio, concede redução de impostos à produção e comércio dos pesticidas, reduzindo em 60% o ICMS (imposto relativo à circulação de mercadorias) sobre o produto e dando isenção total do PIS/COFINS (contribuições para a Seguridade Social) e do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para os mesmos.
É fundamental que a população brasileira faça uma séria reflexão sobre os impactos da política governamental favorável ao “agrobusiness”, que afeta também a saúde humana, com efeitos muito graves sobre o meio ambiente, além das questões agrárias que envolvem expulsões e assassinatos de camponeses e grupos indígenas. O governo Bolsonaro não tem o menor interesse de apoiar a agricultura camponesa e familiar que produz comida saudável, sem venenos, agrotóxicos e transgênicos para o nosso povo. Mas também é urgente que haja resistência contra o envenenamento gradual da vida e que se busque alterar esse quadro tão danoso.
A opção extrativista é hoje vitoriosa na América Latina, indo do México a Argentina, e representa a apropriação irresponsável tanto dos recursos naturais não-renováveis, através da mineração, que é controlada por grandes grupos econômicos nacionais e internacionais – vide os desastres de Mariana e Brumadinho; como da terra, vide as grandes fazendas de gado e da monocultura da soja, que geram pouquíssimo emprego, sendo a soja responsável por um grande movimento de importações de máquinas e venenos. O extrativismo é uma opção política assumida por vários governos, que acabam por gerar uma nova dependência, muitos recursos para poucos, portanto uma concentração econômica que empurra os camponeses a viver amontoados nas cidades, em favelas.
Uma das consequências do extrativismo tem sido ainda a explosão de graves conflitos ambientais, pois as populações que vivem no campo e do campo não têm outra forma de defender-se senão através de mobilizações e participação cidadã em defesa da biodiversidade, das matas, dos rios e de evitar a contaminação dos lençóis freáticos pelos pesticidas.
O Brasil, importante produtor de commodities agrícolas em escala planetária, aceitou ser empurrado, na divisão mundial do trabalho, para um papel majoritariamente “extrativista”. É o maior importador de veneno e admite o uso de mais de 500 tipos de agrotóxicos, 30% deles proibidos na União Europeia. Entre os venenos agrícolas mais vendidos aqui, ao menos 14 estão proibidos no mundo em razão de seus efeitos comprovados de danos à saúde e causadores de câncer.
*Marcos Costa Lima é professor do Departamento de Ciência Política da UFPE e pesquisador do Instituto de Estudos da Ásia (IEASIA).
Edição: Monyse Ravenna