Pernambuco

Entrevista

Alexandre Pires: "Ainda temos 350 mil famílias que não têm acesso às cisternas"

Com governo federal fechado para diálogo, organizações do semiárido buscam legislativo apoio em frente parlamentar

Brasil de Fato | Recife (PE) |
A ASA apresentou diretrizes para o semiárido brasileiro, com a necessidade de construção de 1 milhão de cisternas
A ASA apresentou diretrizes para o semiárido brasileiro, com a necessidade de construção de 1 milhão de cisternas - ASA

“A água é um direito fundamental”, afirma Alexandre Pires, coordenador do Centro Sabiá e da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), em entrevista ao Programa Brasil de Fato Pernambuco. Alexandre participou de uma conversa sobre o semiárido Brasileiro, na qual apontou os retrocessos que o governo de Jair Bolsonaro (PSL) têm apresentado para as políticas de convivência com o semiárido que vinham sendo realizadas nos últimos anos. 

De acordo com Alexandre Pires, quando se fala em semiárido brasileiro, denominação adotada inclusive pela ASA, se leva em consideração não só aspectos técnicos, como “o limite das chuvas e que tem a presença da caatinga como um bioma marcante da região”, mas, também, aspectos culturais, identitários e políticos. “Estamos falando de uma região que pega os nove estados do nordeste e norte de Minas Gerais, 26 milhões de pessoas, aproximadamente 12 ou 13% da população brasileira e mais de 1 mil municípios. 10 milhões de pessoas vivem na zona rural, essa informação é importante para que a gente possa localizar quem é essa população que vive no semiárido”, explica.

Em 1999, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou em Olinda uma conferência mundial sobre desertificação. Paralelo a isso, organizações e movimentos sociais fizeram um fórum, cujas reuniões resultaram na emissão do documento intitulado “Declaração do Semiárido Brasileiro”, que falava sobre a importância dos governos aportarem políticas públicas às necessidades do semiárido e que originou a ASA. “O foco central da ação da ASA sempre foi o direito à água, entendida como um bem comum e básico para a sobrevivência”, aponta.

A ASA apresentou diretrizes para o semiárido brasileiro, com a necessidade de construção de 1 milhão de cisternas. A ideia era desenvolver um “programa descentralizado de captação e armazenamento de água das chuvas, com baixo custo, sob gestão das próprias famílias e comunidades e que fosse universal para todas as famílias da região semiárida, porque para a população do semiárido, esse sempre foi um desafio: ter água e acesso a ela sob a gestão das próprias famílias”, explica Alexandre. 

Governo Lula

Em 2003, durante o governo Lula, o programa conseguiu orçamento para a construção das cisternas. Além disso, outras importantes políticas públicas foram implementadas, como a reinstalação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), também em 2003, que a ASA passou a integrar. Nesse conselho, a água foi assumida como direito humano fundamental à alimentação. Nesse conselho, havia representantes do poder público e sociedade civil, que apresentaria demandas para discussão e garantia de recursos para as ações a serem levadas adiante. 

Ao longo desses anos, a ASA tem contribuído com o desenvolvimento de políticas públicas de convivência com o semiárido. Hoje, mais de 1 milhão de famílias brasileiras contam com água para consumo humano a partir do programa das cisternas. Também já foram desenvolvidos programas que discutem acesso a terra e água para produção de alimentos, foram realizadas alianças com movimentos de luta pela terra no sentido de contribuir para o debate de reforma agrária, projetos de água para produção de alimentos, programa de cisternas nas escolas rurais do semiárido e bancos sementes crioulas saudáveis e sem contaminação de transgênicos. Todas essas iniciativas, dialogam com políticas de assistência técnica, agroecologia e segurança alimentar.

De acordo com Alexandre, na última grande estiagem do nordeste, entre 2011 e 2017 não houve uma situação de grande conflito humano por sobrevivência. Isso seria resultado do conjunto de políticas e programas sociais que contribuíram para que as famílias do semiárido tivessem condições de viver e passar por ela. 

Ainda segundo ele, historicamente, as políticas do estado brasileiro tinham sido de tirar as pessoas do semiárido e apoiar apenas o setor industrial por meio de obras, mas sem apresentar soluções que melhorassem as condições de vida do povo do semiárido, havendo, inclusive, um incentivo a que essa população abandonasse a região e migrasse para outras regiões do país. Para Alexandre, a questão do semiárido é estrutural e deve ser encarada como tal. “Aqui [no semiárido nordestino] tem água, só que ela está concentrada, assim como a terra. O programa de cisterna é para democratizar o acesso à água”, frisa. 

Desafios atuais

No entanto, desde 2016, ainda no governo de Michel Temer (MDB), houve um corte severo nos recursos do programa de cisternas e, atualmente, esses recursos não chegam a 80% do que foi previsto em 2014. Com o atual presidente Bolsonaro, a situação não tem sido diferente. “Até o momento, o atual governo não fez nenhum aceno de diálogo para a ASA. A perda do ponto de vista político é muito grande, porque ainda temos 350 mil famílias que não têm acesso às cisternas”, afirma.

Outra medida adotada pelo atual governo que prejudica a população que vive no semiárido foi a extinção do Consea por meio da Medida Provisória 871. Por essas razões, organizações que atuam em defesa do semiárido, dentre elas a ASA, buscaram diálogo com representantes do poder legislativo, a partir da Frente Parlamentar em Defesa da Convivência com o Semiárido. A partir disso, essas organizações têm conseguido se reunir com um conjunto de parlamentares para apresentar demandas de combate à desertificação, em defesa da agroecologia, entre outras iniciativas. 

Dos 25 deputados de Pernambuco, 20 foram signatários do requerimento que cria a frente parlamentar, que tem a presidência assumida pelo pernambucano Carlos Veras (PT). De acordo com Alexandre, a frente “vai ser o lugar de diálogo, de levar demandas e sensibilizar o congresso para garantir recurso para os próximos anos”. O coordenador da ASA afirmou que há, também, uma vontade de se aproximar dos governadores do nordeste, para apresentar as inquietações e preocupações que existem com o futuro da região.

Edição: Monyse Ravena