Em visita ao Recife, o economista Eduardo Moreira concedeu entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, na qual ele se contrapôs a algumas afirmações que têm sido utilizadas pelo governo Jair Bolsonaro (PSL) e o ministro da economia Paulo Guedes para convencer a população de que proposta de Reforma da Previdência apresentada será benéfica para o país se aprovada. Eduardo é formado em engenharia pela PUC-RJ e estudou economia na Universidade da Califórnia de San Diego (UCSD), onde foi eleito o melhor aluno do curso dos últimos 15 anos
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1 - A Reforma da Previdência pretende cortar privilégios?
Essa Reforma da Previdência está sendo vendida como um corte de privilégios, mas não é. Todos aqueles salários de R$50 mil, R$200 mil, acima do teto, continuam iguais. Estamos fazendo um arroxo fiscal em cima do trabalhador, tornando ele cada vez mais dependente das pessoas que detém os meios de produção, as terras e o capital financeiro no país. No item 50 da Proposta de Emenda à Constituição nº 6/2019 (PEC da Previdência), a definição de ricos é para aqueles que ganham, em média, R$2.200 por mês. É um jogo de palavras. O R$1 trilhão, que está no último item da PEC, o governo diz que, nos próximos 10 anos, R$715 bi vêm do regime geral e R$182 bi vêm do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e do abono salarial. Ou seja, 83% da economia vêm de pessoas que não têm privilégio nenhum, que ganham um ou dois salários mínimos.
2 - Essa reforma vai mesmo beneficiar os mais pobres?
Nem aqueles mais pobres, que a alíquota cai de 8% para 7,5% [serão privilegiados], porque esse sujeito precisa contribuir mais tempo agora e, lá na frente quando ele receber, o que ele vai ter contribuído vai ser mais do que aquilo que economizou com 0,5%. Os mais pobres, boa parte deles, passará a não ter as condições de se aposentar, simplesmente, porque vão ter que contribuir, agora, por mais cinco anos. Só que, não são cinco anos, são 60 meses e a gente está falando da maior parte da população, que trabalha na maior parte na informalidade, trabalha poucos meses por ano. Quando a gente fala que um dos pontos cruciais dessa reforma é o tempo mínimo de contribuição que passa de 15 para 20 anos, a gente precisa lembrar que 42% dos trabalhadores brasileiros têm no máximo nove meses de contribuição por ano, mas em média são 4.9 meses apenas. Então, essa reforma é destruidora, avassaladora e mortal para as pessoas mais pobres. Para as pessoas mais pobres, isso pode fazer diferença entre viver ou morrer.
3 - A previdência pública está quebrada?
Previdência Social não é um fundo de investimento que você faz a conta de quanto está pagando e quanto está recebendo, para depois dizer que quebrou. Não. É, na verdade, um mecanismo de proteção social. Quando uma empresa tem um ano de prejuízo você diz que ela quebrou, ou diz que ela teve um ano de prejuízo? Até 2014 a previdência não tinha déficit e para resolver isso é preciso gerar novos empregos, para aumentar o poder de compra da população e fazer a economia crescer.
4 - A previdência privada é uma boa saída?
Quantas pessoas mais pobres conseguiram juntar dinheiro ao longo da vida em uma caderneta de poupança, fundo de investimento ou título de capitalização? Ninguém. A capacidade de poupança das pessoas mais pobres é muito pequena, porque ela ganha muito pouco e precisa de 100% do que ganha, as vezes até mais, para poder sobreviver. [A previdência privada] desfaz a rede de proteção social, a obrigatoriedade de governo, empregador e empregado contribuírem juntos para o empregado. Por que os três? Porque o governo recebe dinheiro desse empregado através dos impostos. Porque o empregador só consegue lucro porque existe um empregado gerando riqueza para ele. E porque o empregado contribui com um pedacinho dessa poupança.
5 - A capitalização traz alguma garantia para o trabalhador e a trabalhadora?
Com a capitalização você tem a garantia de que o lucro dos bancos vai continuar batendo recordes todos os anos. O que você faz, com essa reforma, é penalizar a pessoa que trabalhou sem receber o que merecia e premiar o lado errado, acentuando a desigualdade, impedindo os mecanismos de transferência de renda. A capitalização faz com que o trabalhador corra o risco de uma crise econômica levar todo o dinheiro dele. Sabe onde 25% desse dinheiro é aplicado nos países que tem regime de capitalização? Nos certificados bancários. Ou seja, o banco empresta esse dinheiro para as pessoas, o que significa que você pega emprestado o seu dinheiro próprio dinheiro e paga uma fortuna para o banco e com juros. Esse é o regime de proteção social? País com tecido social fraco tem que ter regime de proteção social forte.
Edição: Monyse Ravenna