Quando dona Linda chegou no assentamento Paulo Freire, ela ainda era Maria José. O espaço também era outro. Um aglomerado de barracas de palha formava um acampamento pequeno e ainda pouco habitado. Foi só em 2008, um ano depois dela ocupar uma das estruturas, que a emissão de posse da terra saiu e a potiguar conseguiu ter uma casa, hoje vermelha, com pilares verdes. Na frente do imóvel, um carro de modelo Gol, da mesma cor da parede, fica estacionado. Além dela, outras 60 famílias vivem na comunidade e cada uma tem direito a 37 hectares de terra.
Acompanhando a estrada de barro molhada, que liga o município de Pureza, no Rio Grande do Norte, aos distritos rurais, o assentamento Paulo Freire fica a cerca de 11 km distante de onde termina a rua calçada. O cenário da entrada é preenchido com diversas árvores de alto porte em um caminho também de areia. O lugar é tranquilo e pacato, com uma igreja pequena, um campo de futebol e uma horta comunitária completando a paisagem. Na rua, crianças brincam sem preocupação e sem internet.
A casa de número seis da primeira rua do assentamento não é difícil de achar. A doceira que mora nela, também não. A não ser que esteja acontecendo alguma feira pelo país em que ela tenha sido convidada para exibir seus 48 sabores de doces caseiros, todos feitos com frutas advindas da agricultura familiar, a maioria, do quintal de casa. Sem conservantes e até com opção diet, dona Linda, como hoje é conhecida, ganha a vida comercializando os doces que produz. Entre as opções, Abacaxi com hortelã, jaca em calda, doce de leite com côco e diversos outros.
Com ela, trabalham outras seis pessoas de forma fixa, incluindo a irmã. São três dias na semana reservados para a produção dos doces e embalagem dos produtos. Nos demais, ela se desloca para a capital potiguar, onde revende os doces para estabelecimentos, pessoas interessadas e feiras. À convite da Emater, dona Linda já percorreu diversos eventos levando seus itens, inclusive em estados como São Paulo e Ceará.
“Aqui a gente tem uma quantidade grande de frutas na região e eu tenho muita fruta no quintal. É tudo orgânico. Quando eu vou fazer um doce eu nem penso no dinheiro, mas no cliente que eu vou conquistar. Por isso também temos opção diet. Esses doces (diet) não levam açúcar e também tem a opção sem adoçante. A gente combina as frutas, como o abacaxi, que amadurece naturalmente e então é muito doce, e a maçã, que tem a pectina. Com os dois ele dá o ponto do doce sem precisar do açúcar”, explica.
Em 2007, o Motyrum, um programa de pesquisa, ensino e extensão da UFRN visitou o assentamento para propor o desenvolvimento de atividades relacionadas ao núcleo rural. O grupo se utiliza da educação popular de direitos humanos do educador que dá nome à comunidade, Paulo Freire, para estimular o processo de criação dos produtores. O objetivo do Motyrum, que significa união de pessoas para construir algo coletivamente, é promover um processo permanente de dinamismo nas vidas por onde transita.
Na época, dona Linda estava desempregada e participou de uma das mesas redondas. A ideia era cada participante pensar em algo que pudesse fazer, seja para comercializar ou para reaproveitar material. A doceira lembrou da quantidade de frutas que eram desperdiçadas no assentamento e poderiam ser reaproveitadas para produzir um alimento. Foi o suficiente. A ideia ganhou forma, apoio e clientela fiel.
Na primeira vez em que produziu os doces para venda, Linda foi até a prefeitura de Pureza, com 17 potes. Envergonhada, contou com ajuda de alguns amigos para divulgar o produto e voltou pra casa sem nenhum pote na mão. Hoje, produz 400 doces, por vez. “Hoje eu sustento a minha casa com a venda dos meus doces. Por causa deles (o Motyrum) eu descobri que existia uma doceira em mim que eu não tinha nem noção”, conta.
A doceira nunca tinha dado importância aos alimentos que acabavam sendo desperdiçados. Hoje, também leva as frutas para a Central de Comercialização da Agricultura Familiar de Economia Solidária e incentiva os vizinhos a fazerem o mesmo. “A visita da universidade foi muito importante. Antes a gente desperdiçava a banana, o tomate… hoje junto os dois e todo mundo gosta. Comecei vendendo porta a porta e hoje faço encomendas. Tá melhorando muito para os agricultores”, relata.
Atualmente, Linda sonha em ser “uma empreendedora de sucesso”, além de conseguir uma cozinha que otimize a produção dos doces. Outra vontade é aprender a dirigir e ter autonomia de fazer a entrega dos doces, já que, pelas caixas pesadas, precisa pagar um carro pra fazer o deslocamento.
Edição: Saiba Mais