A conversa com Severino Santos foi sobre questões como ameaças ao território das comunidades, impactos da degradação ambiental e análises sobre a conjuntura política atual na vida de pescadoras e pescadores.
Brasil de Fato: Qual a importância da água para pescadores e pescadoras?
Severino Santos: A discussão dos pescadores é que o território vai além da terra. Em sua maioria, o território é água, por ser um local de trabalho, de vivência. Em algumas comunidades a gente costuma dizer que nossa sociedade é na água, não é em terra. Muitos questionam porque é difícil ter pescadores nas atividades, mas são trabalhadores que passam 15, 20 dias em alto mar e ao chegar em casa, a prioridade é o descanso e o lazer. Para eles, a água é mais importante que a terra.
BdF: Como situar a vida e a garantia de territórios na luta de pescadores no Brasil?
Severino: Tivemos alguns avanços em relação a garantia dos territórios, mas o processo foi cheio de atropelos. Um dos avanços foi o Ministério da Pesca, no governo Lula e um dos retrocessos foram polos de aquicultura, para cultivo de peixes e camarão, porque tem uma relação com a poluição, o desmatamento e os conflitos de comunidades.
BdF: Em relação a luta política, qual o histórico de organização dos trabalhadores da pesca?
Severino: Em novembro, comemoramos 40 anos o acesso das mulheres ao registro de pesca, porque até então elas trabalhavam sem esse reconhecimento. Uma outra questão é o reconhecimento das organizações de pescadores, que na década de 1920 foram criadas como reserva da Marinha e nos anos 1940 como uma entidade de classe. Em relação aos territórios, há uma luta desde a década de 1940, mas com poucos avanços. Em 2012 lançamos a campanha de regularização dos territórios das comunidades tradicionais pesqueiras, já que não há lei que regularize isso.
BdF: O que falar sobre o tema da identidade nas comunidades pesqueiras?
Severino: Primeiro é que existe uma mudança de comportamento dentro das comunidades. Quando olhamos registros antigos, muitas mulheres tinham vergonha da profissão e hoje elas têm esse reconhecimento, que é fruto da política pública também. Em algumas regiões a gente vê a sociedade olhando melhor para os pescadores, como alguém que trabalha, produz alimento para mesa do povo e vive em sociedade. Só no Recife são 13 comunidades tradicionais pesqueiras e para a sociedade e o governo municipal elas são praticamente inexistentes.
BdF: Dentro das comunidades tradicionais pesqueiras, como é tratado o tema da educação?
Severino: O desafio é grande. Primeiro porque a educação formal não contempla a realidade das comunidades. O ensino formal tem uma carga horária prevista dentro de uma plataforma que não atende a realidade do mar. Tanto que muitos jovens terminam o primeiro grau e não continuam estudando, porque ou ele pesca ou ele vai para a escola. O movimento de pescadores tenta fazer um processo de formação alternativo, em alguns estados existem escolas paralelas, como na Bahia, que tem a Escola das Águas, que consegue trabalhar jovens para que consigam continuar na atividade escolar e alguns deles chegaram até à universidade. Aqui no estado não temos avanços nesse sentido, mas temos na discussão da educação centrada a partir da realidade de cada comunidade.
BdF: O que é a Campanha Nacional de Regularização dos Territórios e como ela tem contribuído nessa bandeira de luta?
Severino: A campanha foi lançada em 2012, depois de três anos de avaliação, quando o Governo Federal vinha realizando as Conferências Nacionais de Pesca e Aquicultura e na terceira conferência a decisão foi de não participar e construir uma conferência alternativa, que aconteceu em 2009. Em todas as discussões apareceu o tema do território, aí surgiu a proposta de elaborar um projeto de lei, que teve dois anos e meio de estudos, agora estamos colhendo assinaturas e a proposta é que em novembro ele seja protocolado na Câmara dos Deputados.
BdF: Quais as violências sofridas pelos pescadores e pescadoras?
Severino: A gente dá muita ênfase na questão da região de SUAPE. Isso é bem presente nas comunidades, porque lá é considerada uma zona de interesse para o desenvolvimento econômico desde o fim dos anos 1970, mas as comunidades da região não foram trabalhadas em relação a isso, então anos depois com o desenvolvimento do polo econômico as comunidades começaram a ser removidas, mesmo com muita resistência. Uma outra questão é o uso de drogas, porque essas comunidades, que são periféricas, acabam se tornando pontos de distribuição. Hoje tem comunidades em que as mulheres têm medo de pescar, e como defesa elas definiram horários para sair de casa, como as pescadoras de siri.
Edição: Monyse Ravenna