Pernambuco

LITERATURA

Vandeck Santiago: “A missa do Vaqueiro se insere no contexto de luta do nordestino"

Jornalista lança seu quinto livro, que conta a história do criador da Missa do Vaqueiro de Serrita

Brasil de Fato | Recife (PE) |
O livro, além de ser a biografia do padre que viveu na caatinga, fala sobre a origem e desdobramentos da Missa do Vaqueiro de Serrita
O livro, além de ser a biografia do padre que viveu na caatinga, fala sobre a origem e desdobramentos da Missa do Vaqueiro de Serrita - Reprodução

Jornalista e escritor, Vandeck Santiago lançou recentemente seu quinto livro, "João Câncio, o padre vaqueiro". O livro, além de ser a biografia do padre que viveu na caatinga, fala sobre uma das tradições que reúne fé, cultura e turismo no sertão, que é a Missa do Vaqueiro, idealizada por João Câncio na década de 70, e abraçada por artistas como Luiz Gonzaga e Janduhy Finizola. Confira a entrevista:

Brasil de Fato: Quem foi João Câncio e por que você resolveu contar essa história?
Vandeck Santiago: A Missa do Vaqueiro surgiu em 1971, no munício de Serrita, que é no Sertão Central de Pernambuco e era uma homenagem a um vaqueiro morto em 1954, Raimundo Jacó. Até hoje não se sabe quem o matou. O corpo dele foi encontrado na estrada e onde o corpo foi encontrado as pessoas fincaram uma cruz. Num dia, o padre João Câncio passou pela cruz, ficou sabendo da história e decidiu fazer a missa, o que era meio inusitado, porque era no meio da caatinga e para uma pessoa anônima. Nesse mesmo período o nordeste passava por mais uma seca, que já era motivo de oração por chuva e o padre juntou as ideias, vendo essas duas justificativas.

BdF: Como a Missa do Vaqueiro se incorporou tanto na cultura sertaneja?
Vandeck: Porque ela veio de baixo, de dentro do coração dos vaqueiros. O Raimundo Jacó era primo de Luiz Gonzaga, que na época já era famoso. Quando o padre teve a ideia da missa, Luiz já se mostrou interessado em participar, porque ele tinha se indignado com o assassinato e a falta de respostas. Luiz inclusive até investiu financeiramente no evento, e sabia que não ia ter retorno. Depois foram incorporados Pedro Bandeira e Finizola, que fizeram canções, versos  e até um pai nosso próprio para a Missa. Existe um Jesus Cristo Sertanejo, a hóstia é substituída pela rapadura. No mundo inteiro existem  três ou quatro missas específicas e aqui temos a do vaqueiro. No começo houve uma reação dos grupos católicos tradicionais, mas ainda assim a missa vingou.

BdF: A Missa do Vaqueiro já teve uma edição aqui no Recife. Como você avalia esse momento?
Vandeck: O evento foi uma promoção do Governo do Estado e inclusive, até o dia quatro de agosto tem uma exposição no Cais do Sertão com fotos de João Câncio e Luiz Gonzaga, que se tornaram muito amigos e morreram no mesmo ano, em 1989, que faz 30 anos. O lançamento do livro aconteceu junto com a abertura da exposição e a missa, seguindo a tradição, e foi muito lindo, foi um acontecimento. A exposição inclusive pode rodar o estado, ela foi feita de uma forma que permite isso.

BdF: Existem outras missas de vaqueiros que incorporaram as tradições da missa de Serrita?
Vandeck: A original é a de Serrita, então as que surgiram depois foram baseadas nela. Com essas características de roupas de couro, hóstia de rapadura, só tem em Serrita, mas em outros locais eles incorporam alguns elementos. Ela já existe há 49 anos e inspirou documentários, livros, reportagens, ela tem um peso grande. Nós na época vivíamos na ditadura, uma época de censura. Na missa, o nome de D. Helder Câmara não podia ser citado de forma alguma. Teve a Carta Pastoral dos Bispos do Nordeste afirmando que aquele desenvolvimento não contemplava os pobres. E a missa segue esse discurso, não havia esse discurso concatenado, mas essa missa voltada para os vaqueiros, que ninguém dava atenção, celebrada na caatinga, ela se insere nesse contexto de luta do povo nordestino e brasileiro.

BdF: Porque você resolveu contar a história de João Câncio a partir da fotografia?
Vandeck: É uma tentativa de aproximar mais esse tema e esse personagem dos leitores. Então se é um livro de 300 páginas, você só alcança um determinado tipo de público. Com as imagens, as pessoas conseguem imaginar as coisas. Ela é escrita como se fosse uma reportagem, ainda não é uma obra definitiva, ainda tem brechas para escrever sobre a missa. É uma pena que João Câncio e Luiz Gonzaga não tenham grandes depoimentos gravados sobre a missa, porque não havia muito interesse sobre o tema. Quanto mais falarmos sobre isso, mais importante será para nossa história.

BdF: Você lançou o livro no mês passado. Agora, como é possível adquirir o livro?
Vandeck: Por enquanto ele está na Livraria Jaqueira, e a renda do livro é revertida para a Fundação João Câncio, que é de Serrita e é encarregada da promoção da missa. Depois vamos para outras livrarias e o pessoal da organização já está começando a distribuir, então logo em breve estará nas principais livrarias da cidade.

Edição: Monyse Ravenna