Pernambuco

25 DE JULHO

“É inadmissível que não tenhamos jornalistas negras construindo suas narrativas”

Jornalista negra, Catarina de Angola fala sobre os desafios para uma comunicação antirracista

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Catarina é jornalista e membra do Terral Coletico de Comunicação Popular
Catarina é jornalista e membra do Terral Coletico de Comunicação Popular - Olívia Godoy

O dia 25 de julho é considerado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, data criada em 1992, durante o 1º Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas. Na ocasião, grupos de mulheres negras se reuniram na República Dominicana e destacaram os efeitos da sociedade racista e machista na vida dessas mulheres e formas de combatê-los. 

A data foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) e, desde 2014, por meio da Lei nº 12987, é comemorado também o Dia Nacional de Tereza de Benguela no Brasil, em referência à liderança quilombola do Quariterêre que viveu no atual estado de Mato Grosso, durante o século XVIII. Tereza teve forte atuação no processo de resistência à escravidão, junto a comunidades indígenas e quilombolas. 

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as pessoas negras representam 54% da população do país, sendo a maioria desse segmento populacional formado por mulheres. Ainda assim, a jornalista Catarina de Angola, integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, aponta que, mesmo sendo a maioria da população brasileira, as mulheres negras ainda são um grupo muito invisibilizado. Para ela, a importância do 25 de julho está em proporcionar espaços de conversas, debates, proposições de políticas públicas e, também, questionar o espaço que é colocado para a população negra, em especial as mulheres, no Brasil. 

Para ela, o Brasil é um país extremamente racista e, mesmo não havendo oficialmente existido no Brasil um apartheid, que é o regime que segrega negros e brancos em espaços diferentes, ela defenda que é possível afirmar que “a gente vive um grande apartheid no Brasil”. “Quanto mais você ascende socialmente, mais embranquecido é o espaço. Precisamos conseguir reforçar políticas afirmativas, como as cotas, para conseguir reparar esse abismo que existe entre as populações branca e negra no Brasil. O Brasil é um país muito desigual e o racismo produz desigualdade”, explica. 

Catarina, que é uma mulher negra, relembra que, durante a faculdade, além dela, apenas uma outra pessoa era negra, de uma turma de 60 estudantes. Em 2016, pesquisadores do Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) fez uma pesquisa que constatou a ausência de diversidade do jornalismo brasileiro em três veículos comerciais de comunicação do Sudeste. De acordo com os dados levantados, 70% dos profissionais nas redações eram homens, dos quais 91% eram brancos. 

A jornalista reforça que as empresas de comunicação no Brasil são gerenciadas por poucas famílias, lideradas por homens brancos e da região Sudeste do país. “Isso já significa concentração quanto à diversidade de vozes, que praticamente não existe, além que a visão de mundo desse perfil de pessoas é que constrói a comunicação do país, é um mercado fechado e de pouco espaço para profissionais negros”, reforça. 

 “Quando a gente consegue ocupar espaços, conseguimos trazer um pouco mais de representatividade. Eu não acho que representatividade é o único caminho para conseguir trazer a discussão e mudar as estruturas sobre racismo no Brasil, mas ela é muito importante, é uma referência para a gente perceber o que está acontecendo e se reconhecer”, pontua. Ela reforça, ainda, que o exercício jornalístico é contar a história no momento em que ela acontece e, se há pouca diversidade de vozes, muitas histórias não serão contadas. 

“É uma construção de narrativas muito racializada e ofertada para uma certa população. Eu não estou dizendo que os profissionais de comunicação brancos não conseguem refletir sobre questões sociais que envolvem o racismo no Brasil, mas que eu acredito que é necessário que, em um país onde a maioria da população negra, é inadmissível que não tenhamos profissionais jornalistas negros construindo suas próprias narrativas, uma leitura de mundo de uma identidade racial, pautando a sociedade a partir de suas perspectivas”, frisa. 

Comunicação Antirracista

Ainda de acordo com a jornalista, no que tange à construção de uma comunicação antirracista, é preciso se ter uma comunicação democrática e a comunicação entendida como um direito humano. Catarina acrescenta, ainda, que a pluralidade é importante para democratizar. Ela cita, como exemplo, a indústria cinematográfica nigeriana, considerada a terceira maior indústria de produção de cinema do mundo, conhecida como Nollywood, mas que tem pouco alcance nos cinemas brasileiros, dominados pelos filmes de Hollywood, como é conhecida a indústria de cinema estadunidense.   

No entanto, para ela, a democratização da comunicação tem ficado cada vez mais distante da realidade dado o momento político atual, em que há grandes ataques à liberdade de expressão. “Atualmente, vivemos sob um ataque direto à comunicação, porque a liberdade de expressão no Brasil está sendo muito questionada e profissionais de comunicação estão sendo atacados”, lamenta. 

Para Catarina de Angola, ações do presidente Jair Bolsonaro (PSL) como a ameaça de extinção da Agência Nacional do Cinema (Ancine) e o boicote à imprensa, são prejudiciais para a democracia. “Se, antes, já era um problema termos poucas famílias concentrando o poder dos meios de comunicação, hoje, temos um presidente que diz para a população que a única fonte de informação com credibilidade é seu twitter, para que não exista espaço onde questioná-lo”, critica.

Edição: Monyse Ravenna