Em 2014, Jaqueline Vieira finalizava um tratamento para câncer de útero e metástase pulmonar. Uma das recomendações médicas foi que ela não engravidasse, já que poderia ter problemas na gestação. Nesse período, ela foi contagiada pelo zika vírus e apenas dois meses depois descobriria a gravidez. “Fiz quimioterapia, o cabelo caiu todinho. No finalzinho de 2014, eu fiquei boa. Em janeiro de 2015, eu fiquei grávida de Daniel. Peguei a zika com dois meses, mas eu não sabia que estava grávida, só descobri no quarto mês e foi uma gravidez bem complicada, porque eu já sabia que seria uma criança deficiente”.
Assim que a criança nasceu, os médicos perceberam o erro no diagnóstico, que inicialmente seria de hidrocefalia. Daniel é, na verdade, portador de microcefalia, quando a criança tem a cabeça e o cérebro menor que o tamanho normal, o que impede parte do desenvolvimento da criança. A microcefalia pode ser causada por condições genéticas ou ambientais, como no caso de Jaqueline, que adquiriu zika, doença causadora do surto de microcefalia em 2015. Uma das hipóteses é de que o vírus ataca células cerebrais fetais responsáveis pela formação de ossos e cartilagem do crânio, o que causaria a microcefalia, mas outros estudos ainda estão em andamento.
Agora, Daniel tem três anos e João Pedro, seu primeiro filho, sete. Após pedir demissão do emprego para conseguir cuidar sozinha das duas crianças, Jaqueline foi ao INSS solicitar o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Regulamentado pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), o BPC garante um salário mínimo mensal a idosos a partir dos 65 anos e pessoas com deficiência que não possuem meios de sustentação financeira individual ou familiar. Gerido pelo INSS, o benefício pode ser solicitado em agências da Previdência Social e não é cumulativo, ou seja, famílias que recebem Bolsa Família, aposentadoria ou que tem renda familiar mensal superior a R$ 250,00 por pessoa deixam de ter direito ao benefício. Em 2018, cerca de 4,7 milhões de pessoas receberam o benefício, segundo uma pesquisa do Instituto Fiscal Independente (IFI).
Jaqueline solicitou o benefício ainda durante o surto de microcefalia, o que ajudou a agilizar o processo. Integrante da União de Mães de Anjos (UMA), que auxilia as famílias de crianças portadoras da microcefalia, tanto Daniel quanto a família tem um séries de serviços médicos oferecidos pela UMA, além de assistência para mães que desejam dar entrada no processo para serem beneficiadas pelo BPC e também auxiliar nos casos de suspensão ou cancelamento do benefício.
É com esse salário mínimo que a família de Jaqueline custeia os remédios de Daniel, que custam cerca de R$ 500,00, além de outras contas como água, energia elétrica, alimentação, transporte, aluguel e outros custos. Além disso, Jaqueline cuida sozinha das duas crianças e da casa, o que a impede de estudar ou de trabalhar, já que o incremento na renda pode causar o corte no benefício “É um absurdo alguém dizer que a gente gasta esse dinheiro com a gente. É uma grande mentira quem diz que esse valor dá. A gente não vive, a gente sobrevive” afirma a mãe.
Apreensão
O benefício está sob ameaça. Desde junho, dezenas de mães no estado tiveram seus benefícios cortados de forma arbitrária. A medida, que gerou revolta nas famílias, foi contestada num protesto organizado pela UMA no dia 18 de julho com dezenas de famílias afetadas. O INSS, que não sabe explicar o motivo da suspensão, pediu um prazo de 85 dias para investigar. As regras para o benefício também pode mudar com o projeto de reforma da Previdência proposto por Jair Bolsonaro. Para os idosos, o benefício seria cedido para 65 anos no valor de R$ 400,00 e só teria o valor integral a partir dos 70 anos.
Ainda não há mudanças para pessoas com deficiência, mas os cortes inesperados vem preocupando as famílias, incluindo Jaqueline “Se diminuir esse valor vai ter muita complicação. Afeta as famílias de uma forma severa, porque muitas vivem só com esse valor. Aqui somos eu, Daniel e João vivendo com ele. Se ele cair pela metade nós não vamos nem sustentar o Daniel, imagine a casa e as outras coisas”, finaliza.
Edição: Monyse Ravenna