O Cinema São Luiz exibiu no último dia 26 o documentário "Chão", da diretora Camila Freitas. Filmado ao longo de quatro anos, de 2015 a 2018, o longa-metragem mostra o processo de ocupação das terras da usina de cana Santa Helena, na cidade de mesmo nome, em Goiás. Sessão faz parte da 4ª Mostra Ambiental do Recife (Mare) e foi construída em parceria com o Movimenta Cineclubes e o Armazém do Campo. Após a exibição houve debate sobre o filme.
Ao longo das 1 hora e 52 minutos, o filme "Chão" revela o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como organizador de sonhos. Apresenta o processo de luta desde a periferia de Anápolis (GO), quando o movimento reúne pessoas comuns, trabalhadores pobres, desempregados, sem casa própria e desejosos de uma vida digna e no campo, onde possam plantar alimento e criar seus animais. Ao longo do documentário vemos o amadurecimento da compreensão de que só a luta coletiva poderá realizar seus sonhos.
A primeira noite de uma ocupação, as assembleias para tomar decisões coletivas, os dilemas, inseguranças e a certeza de que não se pode aceitar menos. Os processos pedagógicos nas tarefas diárias da ocupação, no diálogo com a pequena cidade de Santa Helena e nos embates contra a elite local nos permitem acompanhar a maturação de personagens que ao longo de quatro anos se tornaram lideranças do Acampamento Leonir Orback, que recebeu o nome em homenagem ao militante sem terra assassinado em Quedas do Iguaçu Paraná, dias antes da ocupação.
Após um primeiro ano de acampamento muito tenso, com a Justiça de Goiás autorizando oito reintegrações de posse num período de 12 meses, com os sem terras sendo removidos seguidas vezes e reocupando dias depois, tendo um militante respondendo judicialmente em liberdade e outro "exilado" após sofrer ameaças de morte, os agricultores seguem firmes e há três anos não enfrentam mandados judiciais, aguardando decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). No início deste ano 800 acampados se reuniram diante de um telão numa sessão do que chamaram de "Cinema da Terra", para assistirem a si mesmos e suas lutas.
Produtor do filme e militante do MST, Valtenir "Frangão" participou do debate após a exibição. Ele falou que a segurança dos sem-terra que aparecem no filme foi uma preocupação central, já que ao longo dos quatro anos de filmagem o cenário político do Brasil foi piorando, com o golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff em 2016 e a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. "A organização não pode se expor, por isso nossos advogados nos ajudaram a definir o que poderia ou não aparecer no documentário", contou, lembrando que foram mais de 20 mil horas de filmagens.
Portanto, a relação de confiança com Camila Freitas precisou construída com alguma antecedência. E o contato partiu do MST, após o movimento ter contato com outro filme da diretora, o documentário Canarinho, que revela como o ex-senador cearense Eunício Oliveira se apropriou de terras em Goiás sem ter documentação.
Para ser viabilizado, "Chão" captou recursos da Agência Nacional do Cinema (Ancine), ligada ao Ministério da Cultura e atualmente sob interferência direta de Bolsonaro. "O cenário político está tão ruim para o nosso lado que achei que o filme não iria sair, mesmo após filmado", admite Frangão.
Presente na sessão, Rubneuza Leandro, dirigente do MST em Pernambuco, contou que o documentário a fez lembrar seus primeiros passos no movimento. "Imagine há 30 anos bater nas portas das pessoas, convocando, convencendo elas a ocupar uma terra de um poderoso, sem dizer qual é a terra, mantendo a confiança dessas pessoas ao longo de 3 meses... é difícil e era muito mais naquela época. Mas esse é o processo de construir uma nova vida", disse.
Ela também destacou a cena em que os sem-terra rompem o cadeado e as cercas da Usina Santa Helena. "Romper a cerca é também romper outras cercas imaginárias. É quando se abre caminho para uma outra vida. E do lado de dentro da cerca fazemos o poder popular", afirmou a pernambucana. Frangão concordou. "Queremos que o filme também rompa cercas da indústria audiovisual e chegue gratuitamente nas periferias", completou.
O Movimenta Cineclubes é uma articulação de produtores culturais com cineclubistas e movimentos sociais, através da Frente Brasil Popular. As atividades são organizadas junto às Mulheres no Audiovisual de Pernambuco (Mape), a Associação Brasileira de Documentaristas e curta-metragistas (ABD) e a Federação Pernambucana de Cineclubes (Fepec).
A Mostra Ambiental do Recife (Mare) é realizada anualmente desde 2015, retornando este ano após curto hiato em 2018. As atividades tiveram início no dia 25 de agosto e seguem até o próximo sábado (31), passando pelo Jardim Botânico do Recife, Parque da Jaqueira, Coque e bairro de Santo Antônio, além do São Luiz. A mostra reúne curtas e longa-matragens de temática ambiental, de documentários a animações, com produções brasileiras de vários estados, sendo a maior parte dos filmes Pernambucanos.
Edição: Monyse Ravena