Se por muito tempo o pano de fundo para as produções audiovisuais no nordeste eram o chão rachado e a fome, hoje há uma mudança de perspectiva em curso. As produções que vêm ganhando espaço em salas e premiações abordam outros temas e trazem consigo um olhar positivo sobre a região, um reflexo direto das mudanças na produção dos filmes, como explica a realizadora audiovisual Cecília da Fonte “o cinema independente no nordeste tem sido feito a partir de outras perspectivas e é uma conquista da luta pela inclusão de outras vozes”, explica.
Cecília, que além de produzir cinema também faz parte do Movimenta Cineclubes, que vem organizando no Recife exibições em mais de 40 bairros, coloca que o impacto da representatividade nas telas tem um efeito que muda a visão não só do povo nordestino sobre si mesmo, mas também o de outras regiões, que vão construindo outras reflexões a partir do que veem nas telas “isso contribui na autoestima, ajudando a gente a se ver e se reconhecer de outra forma, que não só subalternizada a estereotipada. É assistir algo que te inspira, que não necessariamente é a sua vida na tela, mas que tem uma sensibilidade com a ideia de transformação”.
Um grande exemplo dessa guinada é Bacurau. Dirigido pelos pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, o filme foi rodado na comunidade da Barra, no município de Parelhas (RN), com grande parte do elenco composto por moradores da comunidade. Destaque no elenco, o artista cearense Silvero Pereira interpreta Lunga, personagem chave para o enredo e que carrega elementos do cangaço e também o debate sobre questões de gênero. Silvero afirma que “Bacurau é pra mim o Brasil de verdade. Acho que o filme tem repercutido muito porque só agora as pessoas estão percebendo isso, mas essa sempre foi a visão do nordeste que eu tive, não só em relação ao ambiente, mas o coronelismo, o clientelismo, o nepotismo, pra mim sempre foi algo presente, mas que agora existe uma reação”. É necessariamente essa reação que vem provocando tantas discussões e avaliações positivas sobre o filme, que já foi visto por mais de meio milhão de pessoas desde sua estreia em 29 de agosto.
Essa nova relação com o que é ser nordestino tem um impacto positivo na autoestima desse povo, que vê a região sendo palco de outras discussões, onde a memória do cangaço e das revoltas populares são resgatadas, o discurso da seca invencível dá lugar a símbolos de conquistas sociais como as cisternas e o clichê “cabra macho” e a “mulher valente” dão lugar a discussões mais complexas sobre o papel do gênero e da sexualidade nas relações.
Premiado no Festival de Cannes e no ARRI/Osram Award, Bacurau é um dos vários exemplos de como explorar outras perspectivas sobre a região e colocar o cinema brasileiro numa posição não apenas diante da crítica, mas dos próprios espectadores “por muito tempo a imagem que as pessoas das outras regiões tinha do nordeste era a de terra seca e gente suja de barro. Foram essas produções que mostram essa região a partir de um outro olhar que mudaram isso. O cinema brasileiro deve muito ao nordeste”, afirma Silvero.
Edição: Monyse Ravenna