Em visita a Pernambuco, o professor José Jonas Duarte, do Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), esteve no assentamento Normandia, em Caruaru (PE), participando do Seminário de Desenvolvimento Regional do Projeto Brasil Popular. José Jonas atua, também, como Pesquisador Visitante no Instituto Nacional do Semiárido (INSA). Graduado em História, é mestre em Economia (UFPB) e doutor em História Econômica, pela Universidade de São Paulo (USP). Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, o professor falou sobre a necessidade de um projeto de desenvolvimento que pense a convivência e a transformação do Semiárido brasileiro.
Brasil de Fato (BdF): Ainda existem muitos latifúndios no Nordeste. Onde eles se localizam?
José Jonas Duarte (JJD): O Nordeste, mais especificamente o Semiárido, é, por excelência, a área da agricultura familiar. De todos os estabelecimentos rurais do Semiárido, 89% são de agricultores familiares. No entanto, eles ocupam apenas 43% das terras. 57% das terras do Semiárido, segundo dados do Censo da Agropecuária de 2016, estão nas mãos desses 11%, que não são agricultores familiares. Então, ainda há um processo de concentração fundiária no Semiárido brasileiro e terras para serem feitas reforma agrária.
BdF: O que seria uma convivência transformadora com o Semiárido?
JJD: A gente saiu do paradigma de combate à seca para o da convivência com o Semiárido. Mas, a gente não quer conviver com um Semiárido com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com falta de escolas, de água, com concentração fundiária, latifúndio. Quando a gente diz que é necessária uma convivência com o Semiárido, é uma convivência transformadora. Na perspectiva de transformar essa realidade de desenvolvimento, de bem-viver, com boa saúde, educação, condições de habitação, acesso à água, emprego e renda. Tudo isso são políticas estruturantes pelas quais precisamos lutar. Por isso, precisamos transformar essa realidade do Semiárido, convivendo com suas condições climáticas, condições naturais, aspectos culturais e condições edafoclimáticas.
BdF: Que reflexões o Grupo de Trabalho do Semiárido, do Projeto Brasil Popular, tem realizado atualmente?
JJD: Nós fizemos nosso seminário sobre o Semiárido no final de abril. As reflexões são de que saímos do paradigma de combate à seca para o de convivência com o Semiárido, que foi um avanço. Essa convivência pressupõe uso de tecnologias sociais e da agroecologia como princípio fundamental, ou como o Papa Francisco chamou, “ecologia integral”, porque tem muita necessidade de ecologia no Semiárido sem ser agrícola. A recuperação da caatinga e de áreas degradadas não está dentro do modelo agrícola, mas é um sistema ecológico fundamental. Recuperação da fauna do Semiárido, também é tarefa nossa. Além disso, tem também a luta por reforma agrária, em uma perspectiva popular e de recomposição do nosso principal bioma, que é a caatinga.
BdF: Qual sua opinião sobre essa articulação dos governadores do Nordeste, chamada Consórcio Nordeste?
JJD: Acho que é um importante avanço. A região Nordeste foi historicamente, no processo de modernização do Brasil, criada pela lógica do capital. Tem toda uma questão cultural que isso representou. Foi discriminada do ponto de vista econômico. Celso Furtado mostra que, assim como houve um fluxo migratório, houve um fluxo de capital. Emigraram, do Nordeste, pessoas e riquezas, relações de produção modernas. Esse Consórcio deve criar um polo de contraponto à lógica do atual governo federal de destruição do Estado como agente de desenvolvimento social e entrega à iniciativa privada. Então, qualquer estudioso percebe que é fundamental para o Nordeste a participação do Estado como indutor de uma lógica, chamada aí de neodesenvolvimentista. Esse termo desenvolvimento está muito desgastado, mas trata-se de “outra lógica para o Nordeste”. Tem duas coisas: é importante a articulação dos governadores, mas também é fundamental a participação dos movimentos populares, pressionando os governadores estaduais em uma lógica diferente do federal. O atual governo federal tem uma lógica de desmonte do Estado brasileiro. A tarefa dos movimentos é pressionar numa lógica contrária a essa, de desenvolvimento econômico e social não destruidor, por um desenvolvimento sustentável. Acho positiva essa articulação.
Edição: Marcos Barbosa