A Agência Nacional do Cinema (Ancine) tornou pública, ainda no mês de setembro, a Instrução Normativa nº 149, que altera pontos referentes à regulamentação da elaboração, apresentação, análise, aprovação e acompanhamento da execução de projetos audiovisuais realizados por meio de ações de fomento indireto e de fomento direto, sobretudo no referente à movimentação de recursos captados pelos produtores.
Tais mudanças poderiam chegar a inviabilizar ou retardar projetos audiovisuais. Isto porque, após ser considerado apto a captar recursos oriundos de benefícios fiscais federais, o projeto necessita uma autorização para movimentação desses recursos captados, que depende da aprovação de uma análise complementar do projeto audiovisual. É aí que a normativa nº 149 altera pontos que merecem atenção.
Segundo normativa anterior, de dezembro de 2015, para estar apta à solicitação de análise complementar, seria necessária a comprovação da garantia de financiamento ao projeto de, no mínimo, 20% do valor do orçamento de produção. Com as mudanças, para que seja solicitada a análise complementar, é preciso comprovar garantia de financiamento ao projeto de, no mínimo, 80% do valor do orçamento de produção, o que impacta a liberação do dinheiro captado.
Além disso, para poder movimentar a conta, o proponente também precisa comprovar a integralização de 80% do valor total do orçamento. Desse percentual, metade tem que estar efetivamente disponível em conta, ou seja, 40% do total devem estar prontos para uso. Anteriormente, era exigida a comprovação da integralização do valor correspondente a 50% do orçamento aprovado para a realização do projeto estando, no mínimo, 25% do orçamento representado por valores efetivamente disponíveis em conta.
Para o deputado federal pernambucano Tadeu Alencar, líder do Partido Socialista Brasileiro (PSB) na Câmara dos Deputados, a norma dificulta ainda mais questões historicamente problemáticas e “pode redundar em inviabilização” de projetos de alguns produtores. “Deixar a cargo do setor criativo a garantia de 80% dos recursos necessários para compor o orçamento da produção, quando essa participação era de 20%, como determina o governo nessa Instrução Normativa, é um atentado à cultura nacional”, declara.
Atualmente, Tadeu Alencar preside a Frente Parlamentar Mista Em Defesa do Cinema e do Audiovisual Brasileiros, que conta com a participação de 270 deputados e senadores, incluindo os presidentes das duas casas, deputado federal Rodrigo Maia e senador Davi Alcolumbre. “A Frente Parlamentar em Defesa do Audiovisual nasceu de uma ampla mobilização do setor e ganhou no parlamento o seu cenário natural para iniciar esse bom combate que é lutar contra ações daninhas do governo federal, como é o caso dessa Instrução Normativa de que, agora, estamos falando”, explica.
Para o cineasta e realizador pernambucano Marcelo Pedroso, qualquer país que tenha um desejo de construir uma produção audiovisual própria, precisa implementar políticas públicas para o cinema. “Não tem como fazer face à enorme indústria norte-americana se não houver incentivo público. É assim na Europa, na Ásia, na África, na América Latina. A política que a gente vinha construindo nos últimos anos era de tentar reverter esse quadro, democratizar o acesso à produção e aos recursos. Essa política resulta em filmes que têm um potencial de criticidade, de deslocamento da compreensão do mundo que, obviamente, não estão no interesse de Bolsonaro”, pontua o cineasta.
Ataques
Desde que assumiu o poder executivo, foram várias as intervenções de Jair Bolsonaro na política de audiovisual brasileira. Só este ano, medidas como extinção do Ministério da Cultura, o não aporte aos recursos do fundo setorial do audiovisual e a não nomeação do seu conselho gestor, alterações no conselho superior do cinema com a diminuição da participação da sociedade civil, além de casos considerados como censura a obras e projetos por motivos de caráter ideológico, são exemplos de ações criticadas por artistas, produtores e defensores do cinema nacional.
Marcelo Pedroso declara que a postura ofensiva de Bolsonaro contra o cinema nacional não surpreende, porque, antes mesmo da campanha eleitoral de 2018, quando ainda era deputado, o atual presidente já se posicionava contra a cultura, a arte e a liberdade de expressão. “Claro que é lamentável, totalmente condenável, mas é algo que diz muito sobre Bolsonaro e seu projeto político, assim como sobre o cinema e o projeto que estamos construindo. O cinema brasileiro é muito plural. Para nós, quando Bolsonaro elege o cinema como um dos inimigos a serem atacados, é o sinal de que essa diversidade e pluralidade que nosso cinema oferece é o caminho que a gente tem que fortalecer e consolidar”, declara o cineasta.
Na opinião de Tadeu Alencar, o governo Bolsonaro demonstra “falta de sintonia com a democracia e com setores que, historicamente, tenham por norte, a liberdade de expressão e o combate a qualquer forma de autoritarismo”. “Um governo que corta recursos, que pratica a censura, que fragiliza a Ancine, que diminui a participação no Conselho Superior de Cinema, que estimula a autocensura, a delação e a perseguição de quem pensa diferente dele. A sua política para o setor de audiovisual, se é que podemos chamar propriamente de uma política, é a de terra arrasada, eliminar qualquer tipo de produção crítica. É contra esse arremedo de país estranho e preconceituoso que a Frente luta”, frisa o deputado.
Edição: Monyse Ravena