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Cinema

Ancine: alteração na movimentação de recursos pode inviabilizar projetos audiovisuais

Deputado e cineasta consideram que ataques de Bolsonaro ao cinema nacional têm caráter ideológico

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Segundo Kléber Mendonça Filho, diretor de Bacurau, metade do orçamento do filme veio de financiamento público
Segundo Kléber Mendonça Filho, diretor de Bacurau, metade do orçamento do filme veio de financiamento público - Victor Jucá

A Agência Nacional do Cinema (Ancine) tornou pública, ainda no mês de setembro, a Instrução Normativa nº 149, que altera pontos referentes à regulamentação da elaboração, apresentação, análise, aprovação e acompanhamento da execução de projetos audiovisuais realizados por meio de ações de fomento indireto e de fomento direto, sobretudo no referente à movimentação de recursos captados pelos produtores.
Tais mudanças poderiam chegar a inviabilizar ou retardar projetos audiovisuais. Isto porque, após ser considerado apto a captar recursos oriundos de benefícios fiscais federais, o projeto necessita uma autorização para movimentação desses recursos captados, que depende da aprovação de uma análise complementar do projeto audiovisual. É aí que a normativa nº 149 altera pontos que merecem atenção.
Segundo normativa anterior, de dezembro de 2015, para estar apta à solicitação de análise complementar, seria necessária a comprovação da garantia de financiamento ao projeto de, no mínimo, 20% do valor do orçamento de produção. Com as mudanças, para que seja solicitada a análise complementar, é preciso comprovar garantia de financiamento ao projeto de, no mínimo, 80% do valor do orçamento de produção, o que impacta a liberação do dinheiro captado.
Além disso, para poder movimentar a conta, o proponente também precisa comprovar a integralização de 80% do valor total do orçamento. Desse percentual, metade tem que estar efetivamente disponível em conta, ou seja, 40% do total devem estar prontos para uso. Anteriormente, era exigida a comprovação da integralização do valor correspondente a 50%  do orçamento aprovado para a realização do projeto estando, no mínimo, 25% do orçamento representado por valores efetivamente disponíveis em conta.
Para o deputado federal pernambucano Tadeu Alencar, líder do Partido Socialista Brasileiro (PSB) na Câmara dos Deputados, a norma dificulta ainda mais questões historicamente problemáticas e “pode redundar em inviabilização” de projetos de alguns produtores. “Deixar a cargo do setor criativo a garantia de 80% dos recursos necessários para compor o orçamento da produção, quando essa participação era de 20%, como determina o governo nessa Instrução Normativa, é um atentado à cultura nacional”, declara.
Atualmente, Tadeu Alencar preside a Frente Parlamentar Mista Em Defesa do Cinema e do Audiovisual Brasileiros, que conta com a participação de 270 deputados e senadores, incluindo os presidentes das duas casas, deputado federal Rodrigo Maia e senador Davi Alcolumbre. “A Frente Parlamentar em Defesa do Audiovisual nasceu de uma ampla mobilização do setor e ganhou no parlamento o seu cenário natural para iniciar esse bom combate que é lutar contra ações daninhas do governo federal, como é o caso dessa Instrução Normativa de que, agora, estamos falando”, explica.
Para o cineasta e realizador pernambucano Marcelo Pedroso, qualquer país que tenha um desejo de construir uma produção audiovisual própria, precisa implementar políticas públicas para o cinema. “Não tem como fazer face à enorme indústria norte-americana se não houver incentivo público. É assim na Europa, na Ásia, na África, na América Latina. A política que a gente vinha construindo nos últimos anos era de tentar reverter esse quadro, democratizar o acesso à produção e aos recursos. Essa política resulta em filmes que têm um potencial de criticidade, de deslocamento da compreensão do mundo que, obviamente, não estão no interesse de Bolsonaro”, pontua o cineasta.

Ataques
Desde que assumiu o poder executivo, foram várias as intervenções de Jair Bolsonaro na política de audiovisual brasileira. Só este ano, medidas como extinção do Ministério da Cultura, o não aporte aos recursos do fundo setorial do audiovisual e a não nomeação do seu conselho gestor, alterações no conselho superior do cinema com a diminuição da participação da sociedade civil, além de casos considerados como censura a obras e projetos por motivos de caráter ideológico, são exemplos de ações criticadas por artistas, produtores e defensores do cinema nacional.
Marcelo Pedroso declara que a postura ofensiva de Bolsonaro contra o cinema nacional não surpreende, porque, antes mesmo da campanha eleitoral de 2018, quando ainda era deputado, o atual presidente já se posicionava contra a cultura, a arte e a liberdade de expressão. “Claro que é lamentável, totalmente condenável, mas é algo que diz muito sobre Bolsonaro e seu projeto político, assim como sobre o cinema e o projeto que estamos construindo. O cinema brasileiro é muito plural. Para nós, quando Bolsonaro elege o cinema como um dos inimigos a serem atacados, é o sinal de que essa diversidade e pluralidade que nosso cinema oferece é o caminho que a gente tem que fortalecer e consolidar”, declara o cineasta.
Na opinião de Tadeu Alencar, o governo Bolsonaro demonstra “falta de sintonia com a democracia e com setores que, historicamente, tenham por norte, a liberdade de expressão e o combate a qualquer forma de autoritarismo”. “Um governo que corta recursos, que pratica a censura, que fragiliza a Ancine, que diminui a participação no Conselho Superior de Cinema, que estimula a autocensura, a delação e a perseguição de quem pensa diferente dele. A sua política para o setor de audiovisual, se é que podemos chamar propriamente de uma política, é a de terra arrasada, eliminar qualquer tipo de produção crítica. É contra esse arremedo de país estranho e preconceituoso que a Frente luta”, frisa o deputado.

Edição: Monyse Ravena