Se a história da Festa do Morro da Conceição já é conhecida e celebrada por milhares de pessoas há 115 anos no Recife, pouco se sabe sobre as histórias de fé e luta que rodeiam a Paróquia da santa e ajudam a remontar o passado do morro. Uma das personagens desse enredo é Helena Lopes. Nascida em Buenos Aires, na zona da mata, a sua vida no Recife começa em Casa Amarela, mas logo depois ela e a família se mudam para o Morro da Conceição, onde vive há cerca de 60 anos.
Criada na tradição católica, Helena fazia parte das pastorais sociais da igreja e das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), que faziam oposição à ditadura militar e eram organizadas na cidade pelo então Arcebispo Dom Helder Câmara, com o apoio de mais 11 padres que se identificavam com a Teologia da Libertação, como Reginaldo Veloso, que coordenava a Paróquia do Morro da Conceição.
Em dezembro de 1989, dois dias após a Festa de Nossa Senhora da Conceição, o padre Reginaldo foi afastado da Paróquia pelo Arcebispo Dom José Cardoso Sobrinho, que sucedeu D. Helder na Arquidiocese, após anos de perseguição e censura pelos militares. A comunidade, assim que soube do afastamento, reagiu, como recorda Helena: “Num dia, o manto de Nossa Senhora amanheceu com uma faixa onde dizia ‘Mãe, seu povo não chora, luta!’ e na porta da igreja apareceu uma faixa preta escrito ‘Por uma igreja que nasce da força do Espírito no meio do povo’”, recorda. Por causa das faixas é que foram colocadas as grades em torno da imagem de Nossa Senhora da Conceição, que estão lá até hoje.
Helena segue até hoje fazendo trabalho social e religioso no Morro. Foto: Arquivo Pessoal
“A comunidade fez muita coisa. A chave da igreja desapareceu, e ninguém sabia quem estava com a chave. Quando vieram arrombar as portas da igreja, nós fizemos uma vigília de três dias lá na porta”. Por estarem na frente da mobilização, a polícia definiu que os principais suspeitos de esconderem com a chave eram Helena, Josenildo, um outro membro da igreja, e o próprio Reginaldo “Eles vieram atrás da gente buscar, mas a chave não apareceu. Algumas vezes eu precisava sair do bairro por isso, até mesmo durante a Festa do Morro, mas toda vez que precisavam de algo era a nós três que as pessoas procuravam”.
A mobilização foi tão grande que a igreja decidiu boicotar os fiéis, que não se renderam “Quando eles [a polícia] conseguiram abrir a igreja, o pessoal não ia, a gente fazia a celebração na rua. Com isso, os padres foram proibidos de celebrar a missa aqui, e nós, os leigos, assumimos a responsabilidade”. Além das ações no bairro, os moradores também organizaram uma passeata com mais de duas mil pessoas em protesto à expulsão do padre, que seguiu do centro a cidade e foi até a Cúria, onde os bispos moravam, para pedir o retorno de Reginaldo à Paróquia do Morro. A luta rendeu frutos e até hoje o padre coordena três comunidades eclesiais de base, assessora movimentos populares e compõe a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil.
Já Helena, que rejeita o posto de liderança, segue fazendo um trabalho social e religioso no Morro, acreditando no poder da fé e da ação para dar voz aos mais pobres “Eu não vejo um Deus distante. Oração já diz: Orar, pedir a Deus, mas tem que ter ação. A vida da gente é completada com a vida das outras pessoas. Deus nos dá força e coragem para lutar para transformar esse mundo no melhor”, projeta.
Edição: Marcos Barbosa